Os dados que recolhemos desde 2011 apontam para que derrames de petróleo, captura acidental em artes (apetrechos) de pesca e a ingestão ou interação com lixo marinho estejam entre as principais causas do arrojamento de aves no nosso país.

 

Em Portugal continental, é relativamente frequente encontrarem-se arrojamentos: aves e outros animais marinhos que “deram à costa”, quer sozinhos quer em grupos, na sua maioria já sem vida. No entanto, as razões que levam a que tais eventos ocorram estão ainda pouco estudadas.

 

Uma explicação possível é o mau tempo: com condições meteorológicas adversas é frequente muitos animais não resistirem, sendo encontrados arrojados nas praias. Contudo, existem também causas não-naturais, como derrames de petróleo, captura acidental em redes, anzóis ou outras artes de pesca, e a ingestão ou interação com lixo marinho. Dependendo do estado em que o animal é encontrado, nem sempre é fácil aferir as causas de mortalidade. Desde 2011, que a SPEA tem procedido à recolha de dados de arrojamentos, de forma mais sistemática, em Peniche, o que tem permitido perceber um pouco melhor algumas razões que levam ao arrojamento de aves.

 

Aves mais afetadas

Entre 2011 e 2019, inicialmente com o projeto FAME, englobando uma cobertura nacional, passando pelo LIFE Berlengas e atualmente com o MedAves, com o foco mais em Peniche, os técnicos e voluntários da SPEA encontraram quase 500 aves arrojadas, nas 326 visitas costeiras que fizeram ao longo da costa portuguesa. Foram contabilizadas 43 espécies diferentes (474 aves marinhas, 2 aves limícolas e 18 aves terrestres). Foram ainda contabilizados outros animais marinhos tais como 15 cetáceos e 3 tartarugas. A torda-mergulheira (Alca torda), cuja população mundial está em declínio, foi a espécie que mais arrojou na costa portuguesa, mantendo a tendência já referida em estudos da década de 1990. Outra das espécies que mais vezes foram encontradas na nossa costa foi o alcatraz (ou ganso-patola, Morus bassanus), que já no âmbito do nosso projeto LIFE Berlengas verificámos ser capturado frequentemente durante a pesca em Portugal.

 

gráfico mostrando as espécies de ave mais encontradas arrojadas na praia

 

Ameaças

O inverno foi a estação do ano com maior número de aves arrojadas, o que faz sentido dadas as condições adversas do mar. Na nossa análise, percebe-se que há mais arrojamentos nos dias a seguir ao mau tempo. Também no inverno registámos alguns arrojamentos de elevado número de tordas-mergulheiras, em que alguns indivíduos apresentavam indícios de interação com redes de pesca. Infelizmente, é comum a utilização de redes de pesca ilegais (redes de superfície, de malha reduzida) e são vários os relatos que levam a crer que estas redes levam à morte de várias centenas de tordas-mergulheiras e airos, todos os anos. Esperamos que estes dados sirvam também para sensibilizar as entidades competentes e levar a uma maior fiscalização.

 

Para além da interação com artes de pesca, nalguns casos identificámos uma outra causa antropogénica para os arrojamentos: a contaminação por hidrocarbonetos. Esta contaminação resulta geralmente de derrames de petróleo ou lavagem de tanques de combustível a bordo.

 

Dados importantes

As interações com as artes de pesca afetaram sobretudo as espécies torda-mergulheira, alcatraz, gaivota e cagarra, pela presença de restos de redes ou anzóis onde as aves se encontravam emaranhadas.

 

 

 

papagaio-afugentador evita que as aves marinhas fiquem presas nas linhas e anzóis

 

Estes resultados apontam para a necessidade de implementação de medidas de minimização de capturas acidentais em artes de pesca como uma das prioridades de conservação, tal como tem vindo a ser feito com os projetos LIFE Berlengas e MedAves Pesca, e uma monitorização sistemática destes episódios ao longo da faixa costeira. Uma das medidas que revelou alguma eficácia, foi o uso de um “papagaio” nos barcos de pesca. O movimento deste “papagaio”, que se encontra a esvoaçar sobre a embarcação, afasta as aves marinhas que dela se aproximam de uma forma segura para todos.

 

As aves são excelentes indicadores do estado de saúde dos ecossistemas marinhos e podem servir como sistema de deteção precoce de alterações nas condições do oceano.

 

Este artigo foi originalmente publicado na nossa revista Pardela nº61 (outono/inverno 2020). Torne-se sócio e receba a Pardela gratuitamente em sua casa.

 

O que fazer se encontrar um animal que deu à costa