Uma em cada três populações de aves portuguesas está ameaçada de extinção. A situação é particularmente preocupante nos casos das aves de zonas agrícolas, das migradoras de longa distância e das aves marinhas: diminuiu a sua abundância e a sua área de distribuição e aumentou o seu risco de extinção no nosso país. Estas são algumas das tendências evidenciadas pelos resultados da Lista Vermelha das Aves de Portugal Continental e do III Atlas das Aves Nidificantes de Portugal, apresentados dia 12 de dezembro em Lisboa.

 

Liderados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e desenvolvidos em parceria  com a Universidade de Évora, ICNF, IFCN (Madeira) e CIBIO/BIOPOLIS, com a participação de mais de 400 ornitólogos voluntários e profissionais, estes dois projetos complementares permitem obter um panorama do estado das aves em Portugal e, esperam os especialistas, direcionar esforços de conservação para aquelas que mais necessitam.

 

Aves como o sisão, a abetarda, a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador) e o rolieiro, que há 20 anos eram mais abundantes nos campos alentejanos, sofreram reduções drásticas em toda a sua área de distribuição, incluindo dentro das áreas protegidas. Os declínios destas aves estepárias são, infelizmente, representativos das aves de zonas agrícolas em geral, que têm sofrido com a intensificação da agricultura e com a alteração drástica dos usos do solo.

 

abetarda em voo

 

“As monoculturas agrícolas, a simplificação da paisagem, o aumento do regadio e do uso de agroquímicos está a arrastar para a extinção um grupo de aves único em toda a Europa, que são as aves das planícies de sequeiro do sul e centro de Portugal”, diz Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA: “É urgente reverter a intensificação agrícola e criar áreas de habitat agrícola com qualidade, se queremos salvar estas espécies da extinção.”

 

Outro grupo de aves em situação particularmente preocupante, alertam os especialistas, são as aves migradoras de longa distância que passam o inverno em Portugal. Estas aves têm visto as condições de nidificação no ártico dificultadas pelas alterações climáticas, ao mesmo tempo que as condições nas suas rotas de migração se têm deteriorado devido à pressão humana na orla costeira e nas zonas húmidas de que dependem: estuários, rias e lagoas costeiras. A drenagem de zonas húmidas para a agricultura, desenvolvimento urbano e turístico, a conversão de sapais e salinas em pisciculturas e outras alterações drásticas dos locais de paragem e descanso destas aves está a provocar uma redução acentuada das suas populações.

 

pilrito-pequeno a alimentar-se na praia

 

Se queremos continuar a usufruir do espetáculo dos milhares de aves que nos visitam atualmente provenientes de lugares longínquos, como a Islândia ou a Sibéria, temos de proteger os nossos estuários e outras zonas húmidas costeiras importantes, frisa Domingos Leitão: “Aves como os pilritos e os maçaricos enfrentam já situações extremamente difíceis nos seus locais de nidificação – se lhes destruirmos os refúgios em Portugal, dificilmente sobreviverão.”

 

Também aves marinhas que passam o inverno no nosso país, como a gaivota-tridáctila, a torda-mergulheira e o papagaio-do-mar, registaram um agravamento do seu estatuto de conservação em Portugal Continental. No grupo das aves marinhas, as nidificantes, como a cagarra (que tem nas Berlengas a maior colónia de reprodução da Europa) e a galheta não escapam às tendências negativas – reflexo de ameaças como a sobrepesca, as alterações climáticas, a captura acidental na pesca e a poluição dos mares.

 

Mas nem tudo são más notícias.

 

“Temos resultados que demonstram que as ações de conservação funcionam, e que as espécies respondem bem às melhorias e restauro do habitat e à redução das ameaças de origem humana”, diz Domingos Leitão.

 

Exemplo do sucesso de projetos e ações de conservação a longo-prazo são as aves de rapina, como os abutres e as grandes águias, que beneficiaram de ações de conservação que reduziram ameaças sérias como a perseguição direta, o uso ilegal de venenos e a mortalidade em linhas elétricas. Como resultado, espécies como o abutre-preto, o grifo, a águia-perdigueira (ou águia-de-bonelli), a águia-calçada, o bútio-vespeiro e a águia-sapeira têm agora menor risco de extinção do que na Lista Vermelha anterior (que data de 2005).

 

abutre-preto

 

Por outro lado, espécies como os patos terão beneficiado da redução da pressão da caça, pela diminuição de caçadores e gestão mais equilibrada daquela atividade. Já espécies de garças, colhereiros e ibis viram a sua situação melhorar graças à maior abundância de alimento nos arrozais e outras zonas alagadas, bem como a uma maior proteção dos seus locais de reprodução.

 

A Lista Vermelha das Aves de Portugal Continental 2022 visa reavaliar o risco de extinção das populações de aves que utilizam de forma regular este território português e identificar as populações ameaçadas, atualizando a secção correspondente que integra o anterior Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, que data de 2005. Relativamente à Lista Vermelha anterior, o número de populações classificadas como ameaçadas de extinção aumentou de 88 para 95 populações. Ou seja, hoje existem mais populações e espécies de aves ameaçadas do que em 2005.

 

Para a avaliação do risco de extinção contribuíram também os dados do III Atlas das Aves Nidificantes em Portugal, que avalia as áreas de distribuição das espécies que se reproduzem no nosso país. Os trabalhos deste atlas decorreram entre 2015 e 2021, e envolveram mais de 400 ornitólogos voluntários e profissionais, num esforço de mais de 4500 horas de contagens de aves. Os trabalhos do atlas permitiram inventariar 241 espécies de aves nidificantes repartidas pelos territórios do continente e regiões autónomas, das quais 225 são nativas e 16 são não-nativas com populações estabelecidas.

 

“Estes projetos tiveram apoio financeiro do POSEUR/Portugal2020 e do Fundo Ambiental, mas estes resultados só foram possíveis graças à participação de grande número de ornitólogos, voluntários e profissionais. A todos devemos agradecimentos, mas principalmente aos que fizeram trabalho voluntário, na recolha de dados no campo, na coordenação regional, na escrita de textos ou na cedência de dados e ilustrações”, conclui Domingos Leitão.

 

A Lista Vermelha das Aves de Portugal Continental e o III Atlas das Aves Nidificantes estão disponíveis online a partir de dia 12 de dezembro, no site www.listavermelhadasaves.pt