Se é dono de gatos e tem um jardim onde o seu felino gosta de passar tempo, mas volta e meia é presenteado com um passarinho ou ratinho, temos boas-novas. Um estudo da Universidade de Exeter indica que uma dieta rica em proteína animal e uns minutos de brincadeira por dia poderão ajudar a salvar dezenas de pequenos animais selvagens.
Como entraram nas nossas vidas
Felpudos, sérios ou brincalhões, os gatos são os companheiros ideais de muitas famílias e enfeitiçam muitos pela sua proclamada independência. Mas debaixo dessa pele de bichano, esconde-se um verdadeiro caçador que poderá dizimar dezenas de espécies selvagens anualmente.
No entanto entraram nas nossas vidas, num processo de quase “auto-domesticação”, beneficiando da proximidade com os humanos para se alimentarem. E nós fomos tolerando esta proximidade quer pelo seu papel no controlo de roedores quer pela sua natureza ronronante ou mesmo por uma certa dimensão espiritual, até passarmos a ver os gatos como animais de companhia.
Pensa-se que o gato doméstico (Felis catus) terá descendido do gato selvagem (Felis silvestris lybica), mas em termos morfológicos, fisiológicos e comportamentais divergiu pouco deste seu antepassado. Assim, parte da sua natureza predatória subsiste até hoje: há instinto caçador nessa pequena bola de pelo ronronante, pelo que não se deixe enganar pelos olhinhos que ele lhe possa lançar.

Lidar com os instintos
De acordo com este estudo realizado na Universidade de Exeter, os donos de gatos dispensam as “oferendas” dos seus “mais que tudo” peludos, e para as evitar recorrem a soluções como coleiras com sininhos, pequenas capas coloridas para as coleiras e até bibes. Estes métodos diminuem o seu sucesso durante a caça, por os tornar mais visíveis ou audíveis, mas não inibem nem diminuem essa vontade nos gatos.
Além disso, muitos donos temem que tanto estas soluções como a opção de não deixar o seu gato sair possam interferir no bem-estar do seu bichano. Assim, muitas pessoas sentem-se mais confortáveis em utilizar técnicas que não interferiram com o comportamento natural do seu gato.
Uma solução parece ser proporcionar uma alimentação mais rica em carne. Por serem estritamente carnívoros, os gatos têm requisitos muito específicos em termos de nutrientes e na forma como os digerem. De acordo com o estudo, os gatos que foram alimentados com uma dieta com uma elevada percentagem de proteína animal capturaram e trouxeram para casa menos 36% de animais.
Estimular de forma segura
Todos nós já observámos gatos a brincar com a “comida”, deixando muitas vezes a pequena vítima de lado após se fartarem da brincadeira.
Um gato gosta de procurar e emboscar as presas, persegui-las, manipulá-las e só por fim matar para as poder comer. Assim, os donos ao brincarem com os seus gatos estão a ajudar a reproduzir estes comportamentos. O comportamento de caçar e a vontade brincar são despoletados da mesma forma – fome – o que sugere que ambos derivam da mesma motivação.
No estudo, gatos que tiveram um tempo de brincadeira de 5 a 10 minutos com um brinquedo do tipo cana de pesca, capturaram e trouxeram para casa menos 25% de animais. Importa referir que estes investigadores apenas contabilizaram os animais que os bichanos trouxeram para casa, o que pode não refletir a totalidade de animais efetivamente caçados: outros estudos indicam que os gatos apenas trazem para casa cerca de 20% do total de capturas. Assim, manter o seu gato entretido pode ajudar a diminuir a vontade de caçar, o que vai ser garantidamente benéfico para a pequena fauna selvagem do seu quintal ou jardim!
Noites em casa
Outros dados científicos indicam que mais de 90% das presas dos gatos domésticos são apanhadas durante a noite. Manter o seu gato quente e confortável em casa durante a noite pode ser uma das medidas mais eficazes que pode adotar para ajudar a fauna selvagem.
Se quer diminuir o impacto do seu gato na vida selvagem que o rodeia, e ao mesmo tempo manter o seu bichano feliz e dar-lhe uma vida saudável, brinque com ele com frequência, proporcione-lhe uma alimentação saudável e rica em proteína animal e não o deixe fora de casa durante a noite.

Alguns números das vítimas
- Nos EUA os gatos matam mais de 4 biliões de animais por ano, 500 milhões dos quais são aves
- No Reino Unido cerca de 275 milhões de animais, 55 dos quais são aves
- Na Austrália 390 milhões
- Na Austrália a estimativa passa para 2 biliões de animais mortos todos os anos se incluirmos os gatos assilvestrados (mais do que os animais selvagens que faleceram durante os fogos de 2019/2020!)
- Só na cidade do Cabo, na África do Sul, estima-se que 27,5 milhões de animais sejam mortos por gatos domésticos todos os anos.
Estas estimativas apenas se referem a gatos com dono, não incluindo todos os gatos assilvestrados e abandonados.
O estudo:
Cecchetti M et al. 8 mar 2021. Current Biology 31(5): 1107-1111.e5. DOI: 10.1016/j.cub.2020.12.044
Este artigo foi publicado na revista Pardela nº63 (Outono/Inverno 2021)