Sagres é um ponto de excelência para desfrutar de um dos espetáculos mais fascinantes do mundo natural: a migração das aves.
Quando o tempo começa a mudar, em finais de verão, uma vaga de aves percorre a Europa, de norte para sul. De entre as aves terrestres, as que vão para África têm pela frente um obstáculo considerável: o Mediterrâneo. No lado ocidental do continente, o ponto de passagem mais curto – e por isso mais seguro – é o estreito de Gibraltar. Mas por vezes a inexperiência ou um acidente de percurso faz com que as aves se desviem da rota, e venham ter a Sagres, a “planície das aves perdidas”. Eventualmente, retomam o rumo para ir atravessar na zona de Gibraltar, mas entretanto fazem as delícias dos observadores de aves.
Aves de todos os tipos
A mudança de estação traz à região um rol incrível de visitantes alados. De águias-calçadas (Aquila pennata) e águias-cobreiras (Circaetus gallicus) a britangos (Neophron percnopterus), grifos (Gyps fulvus) e cegonhas, milhares de aves planadoras pairam em busca de passagem para África, juntando-se a residentes nidificantes como a águia-perdigueira (Aquila fasciata). Outras tantas aves marinhas passam ao largo, em viagens épicas que chegam a ir de pólo a pólo. Árvores, arbustos e ervas são povoados por petinhas, toutinegras, chascos-cinzentos (Oenanthe oenanthe) e dezenas de outros passeriformes que passam também pela península na sua viagem para sul. E quando menos se espera, avista-se uma verdadeira raridade, como uma águia-da-pomerânia (Clanga pomarina) ou um papa-moscas-real (Ficedula parva).
No ar
À medida que o sol da manhã ganha força, o ar quente começa a subir – e com ele, as aves planadoras, que usam as suas grandes asas para tirar o máximo partido das correntes térmicas. Todos os anos pairam sobre Sagres mais de 4000 aves planadoras, pertencentes a todas as espécies de que há registo em Portugal.
Durante a época de migração, é provável que aviste uma grande rapina de cauda curta e asas largas e compridas que, vistas de baixo, são mais claras mais perto da cabeça e escuras perto da cauda: o grifo. Esta é a ave planadora que aqui surge em maior número, seguida de perto pela águia-calçada, a águia-cobreira e a águia-d’asa-redonda (Buteo buteo). Apesar de não surgir às dezenas como os grifos, uma outra grande silhueta marca também frequentemente presença nos céus de Sagres: um vulto negro, de pescoço esticado – a inconfundível cegonha-preta (Ciconia nigra). Um vulto mais claro, o britango, é também avistado com regularidade, tal como a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador, Circus pygargus) e o tartaranhão-cinzento (Circus cyaneus).
No mar
Todos os anos, milhares de aves marinhas passam ao largo de Sagres, algumas em viagens épicas de pólo a pólo. Para testemunhar parte dessa odisseia basta ir até ao cabo de S. Vicente, mas para ver algumas espécies terá mesmo de fazer-se ao mar. Em outubro, numa hora chegam a passar milhares de alcatrazes (Morus bassanus) pelo cabo. Também a cagarra (Calonectris borealis), a pardela-balear (Puffinus mauretanicus), a gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus), o alcaide (Catharacta skua) e o corvo-marinho (Phalacrocorax carbo) são facilmente avistados a partir deste local. No início do outono, a pardela-preta (Ardenna grisea), é também regularmente avistada na sua viagem rumo à região da Terra do Fogo, onde vai reproduzir-se. Também a gaivota-de-audouin (Larus audouinii) e o moleiro-do-ártico (Stercorarius pomarinus) são vistos todos os anos. Acabada a sua época de reprodução, os moleiros-do-ártico rumam a sul para passar o inverno, juntamente com algumas das gaivotas-de-audouin, enquanto outras ficam por Portugal. No caso do moleiro-do-ártico, Sagres é ponto de passagem numa viagem épica, dos mares do Ártico até ao Atlântico Sul.
Uma viagem de barco ao largo de Sagres permitir-lhe-á ver a pardela-de-barrete (Ardenna gravis) e o casquilho (Oceanites oceanicus) (especialmente abundantes em agosto e setembro), ou as pequenas almas-de-mestre (Hydrobates pelagicus) que baloiçam nas ondas enquanto esperam pelo vento certo ou, quando ele sopra, voam rumo aos mares do sul.
Em terra
As árvores, sebes e arbustos de Sagres acolhem milhares de visitantes todos os outonos. Aves insetívoras como felosas, petinhas e chascos estão a caminho de África, onde o fim da época das chuvas traz uma explosão de insetos. As espécies que visitam a zona de Sagres em maior número nesta altura do ano são o papa-moscas (Ficedula hypoleuca), a felosa-musical (Phylloscopus trochilus), o chasco-cinzento e a alvéola-amarela (Motacilla flava). É frequente ver-se o taralhão-cinzento (Muscicapa striata), a ir e vir do seu poleiro num ramo, enquanto se alimenta. Em zonas arborizadas, sobressai muitas vezes a coloração que dá o nome ao rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus), enquanto em zonas mais abertas é frequente avistar-se o cartaxo-nortenho (Saxicola rubetra), pousado estrategicamente num ponto elevado à procura da próxima refeição.
Em meados de outubro, chega uma segunda vaga de visitantes alados, desta feita para ficar. Vêm do Norte da Europa, onde o alimento escasseia devido aos rigores do inverno. No nosso clima mais ameno, encontram refúgio e abundância nos meses mais frios. Nalguns casos, a chegada destes visitantes de inverno nota-se não pelo aparecimento de novas espécies, mas pelo número de aves que subitamente se vêm. É o caso dos trigueirões (Emberiza calandra): às aves que vivem em Portugal todo o ano, juntam-se as que vêm do norte. Também os tordos-musicais (ou tordos-comuns ou tordos-pintos, Turdus philomelos) se juntam às residentes tordoveias (Turdus viscivorus).
O abanar de cauda de uma alvéola-branca (Motacilla alba) é um movimento comum em Sagres nesta altura do ano. Nos jardins e espaços verdes, avistam-se também o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), o tentilhão (Fringilla coelebs) e a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), enquanto os prados são invadidos por centenas de petinhas-dos-prados (Anthus pratensis). A banda sonora desta estação é pautada pelo canto do tordo-musical e do pintassilgo (Carduellis carduellis), e pelo trinado do trigueirão.
As que não sobrevivem
Dos milhares de aves que chegam ao Algarve todos os anos, grande parte não volta a sair. São capturadas para serem vendidas como aves de gaiola, ou comidas como petisco. Se suspeitar ter encontrado indícios desta atividade ilegal, contacte a linha SOS Ambiente.
Ao sabor do vento
Com tanto para ver, pode ser difícil decidir por onde começar. Uma boa estratégia é seguir o vento. Quando o vento sopra de oeste, é boa altura para ir até ao cabo de S. Vicente ver alcatrazes e cagarras. Se o vento virar para leste, torna-se mais difícil ver aves marinhas. Mas não é razão para arrumar os binóculos. O vento sudeste traz passeriformes: estas pequenas aves deixam de conseguir voar para sul, sendo “empurradas” na nossa direção, o que aumenta as hipóteses de ver espécies menos comuns. Chuva, ventos fortes ou uma descida súbita de temperatura diminuem a probabilidade de observar aves na região, mas depois da tempestade vem a bonança: quando o tempo limpa, as aves que ficaram “em fila de espera” põem-se todas a caminho, e as hipóteses de avistar algo interessante multiplicam-se.
Quando visitar
Embora se possam ver aves migradoras na zona de Sagres desde finais de agosto até ao início de novembro, o princípio de outubro é geralmente a melhor altura do ano para avistar um pouco de tudo: no ar, no mar e em terra.
Este artigo foi publicado na revista Pardela nº60 (Primavera/Verão 2020)
Descubra as aves de Sagres
Festival de Observação de Aves & Atividades de Natureza