Sagres é um ponto de excelência para desfrutar de um dos espetáculos mais fascinantes do mundo natural: a migração das aves.

 

Quando o tempo começa a mudar, em finais de verão, uma vaga de aves percorre a Europa, de norte para sul. De entre as aves terrestres, as que vão para África têm pela frente um obstáculo considerável: o Mediterrâneo. No lado ocidental do continente, o ponto de passagem mais curto – e por isso mais seguro – é o estreito de Gibraltar. Mas por vezes a inexperiência ou um acidente de percurso faz com que as aves se desviem da rota, e venham ter a Sagres, a “planície das aves perdidas”. Eventualmente, retomam o rumo para ir atravessar na zona de Gibraltar, mas entretanto fazem as delícias dos observadores de aves.

 

Aves de todos os tipos

A mudança de estação traz à região um rol incrível de visitantes alados. De águias-calçadas (Aquila pennata) e águias-cobreiras (Circaetus gallicus) a britangos (Neophron percnopterus), grifos (Gyps fulvus) e cegonhas, milhares de aves planadoras pairam em busca de passagem para África, juntando-se a residentes nidificantes como a águia-perdigueira (Aquila fasciata). Outras tantas aves marinhas passam ao largo, em viagens épicas que chegam a ir de pólo a pólo. Árvores, arbustos e ervas são povoados por petinhas, toutinegras, chascos-cinzentos (Oenanthe oenanthe) e dezenas de outros passeriformes que passam também pela península na sua viagem para sul. E quando menos se espera, avista-se uma verdadeira raridade, como uma águia-da-pomerânia (Clanga pomarina) ou um papa-moscas-real (Ficedula parva).

 

grifo em voo Andrej Chudý (CC BY-NC-SA 2.0)

O grifo é a ave planadora surge em Sagres em maior número

No ar

À medida que o sol da manhã ganha força, o ar quente começa a subir – e com ele, as aves planadoras, que usam as suas grandes asas para tirar o máximo partido das correntes térmicas. Todos os anos pairam sobre Sagres mais de 4000 aves planadoras, pertencentes a todas as espécies de que há registo em Portugal.

 

Durante a época de migração, é provável que aviste uma grande rapina de cauda curta e asas largas e compridas que, vistas de baixo, são mais claras mais perto da cabeça e escuras perto da cauda: o grifo. Esta é a ave planadora que aqui surge em maior número, seguida de perto pela águia-calçada, a águia-cobreira e a águia-d’asa-redonda (Buteo buteo). Apesar de não surgir às dezenas como os grifos, uma outra grande silhueta marca também frequentemente presença nos céus de Sagres: um vulto negro, de pescoço esticado – a inconfundível cegonha-preta (Ciconia nigra). Um vulto mais claro, o britango, é também avistado com regularidade, tal como a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador, Circus pygargus) e o tartaranhão-cinzento (Circus cyaneus).

 

No mar

Todos os anos, milhares de aves marinhas passam ao largo de Sagres, algumas em viagens épicas de pólo a pólo. Para testemunhar parte dessa odisseia basta ir até ao cabo de S. Vicente, mas para ver algumas espécies terá mesmo de fazer-se ao mar. Em outubro, numa hora chegam a passar milhares de alcatrazes (Morus bassanus) pelo cabo. Também a cagarra (Calonectris borealis), a pardela-balear (Puffinus mauretanicus), a gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus), o alcaide (Catharacta skua) e o corvo-marinho (Phalacrocorax carbo) são facilmente avistados a partir deste local. No início do outono, a pardela-preta (Ardenna grisea), é também regularmente avistada na sua viagem rumo à região da Terra do Fogo, onde vai reproduzir-se. Também a gaivota-de-audouin (Larus audouinii) e o moleiro-do-ártico (Stercorarius pomarinus) são vistos todos os anos. Acabada a sua época de reprodução, os moleiros-do-ártico rumam a sul para passar o inverno, juntamente com algumas das gaivotas-de-audouin, enquanto outras ficam por Portugal. No caso do moleiro-do-ártico, Sagres é ponto de passagem numa viagem épica, dos mares do Ártico até ao Atlântico Sul.

 

alcatraz em voo Andreas Trepte (CC BY-NC-SA 2.5)

Numa hora chegam a passar milhares de alcatrazes pelo cabo de S. Vicente

Uma viagem de barco ao largo de Sagres permitir-lhe-á ver a pardela-de-barrete (Ardenna gravis) e o casquilho (Oceanites oceanicus) (especialmente abundantes em agosto e setembro), ou as pequenas almas-de-mestre (Hydrobates pelagicus) que baloiçam nas ondas enquanto esperam pelo vento certo ou, quando ele sopra, voam rumo aos mares do sul.

 

Em terra

As árvores, sebes e arbustos de Sagres acolhem milhares de visitantes todos os outonos. Aves insetívoras como felosas, petinhas e chascos estão a caminho de África, onde o fim da época das chuvas traz uma explosão de insetos. As espécies que visitam a zona de Sagres em maior número nesta altura do ano são o papa-moscas (Ficedula hypoleuca), a felosa-musical (Phylloscopus trochilus), o chasco-cinzento e a alvéola-amarela (Motacilla flava). É frequente ver-se o taralhão-cinzento (Muscicapa striata), a ir e vir do seu poleiro num ramo, enquanto se alimenta. Em zonas arborizadas, sobressai muitas vezes a coloração que dá o nome ao rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus), enquanto em zonas mais abertas é frequente avistar-se o cartaxo-nortenho (Saxicola rubetra), pousado estrategicamente num ponto elevado à procura da próxima refeição.

alvéola-amarela-ibérica poisada num arbusto Agustín Povedano (CC BY-NC-SA 2.0)

A alvéola-amarela é das espécies que mais se vêem em Sagres no outono

Em meados de outubro, chega uma segunda vaga de visitantes alados, desta feita para ficar. Vêm do Norte da Europa, onde o alimento escasseia devido aos rigores do inverno. No nosso clima mais ameno, encontram refúgio e abundância nos meses mais frios. Nalguns casos, a chegada destes visitantes de inverno nota-se não pelo aparecimento de novas espécies, mas pelo número de aves que subitamente se vêm. É o caso dos trigueirões (Emberiza calandra): às aves que vivem em Portugal todo o ano, juntam-se as que vêm do norte. Também os tordos-musicais (ou tordos-comuns ou tordos-pintos, Turdus philomelos) se juntam às residentes tordoveias (Turdus viscivorus).

 

O abanar de cauda de uma alvéola-branca (Motacilla alba) é um movimento comum em Sagres nesta altura do ano. Nos jardins e espaços verdes, avistam-se também o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), o tentilhão (Fringilla coelebs) e a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), enquanto os prados são invadidos por centenas de petinhas-dos-prados (Anthus pratensis). A banda sonora desta estação é pautada pelo canto do tordo-musical e do pintassilgo (Carduellis carduellis), e pelo trinado do trigueirão.

 

As que não sobrevivem

Dos milhares de aves que chegam ao Algarve todos os anos, grande parte não volta a sair. São capturadas para serem vendidas como aves de gaiola, ou comidas como petisco. Se suspeitar ter encontrado indícios desta atividade ilegal, contacte a linha SOS Ambiente.

 

Ao sabor do vento

Com tanto para ver, pode ser difícil decidir por onde começar. Uma boa estratégia é seguir o vento. Quando o vento sopra de oeste, é boa altura para ir até ao cabo de S. Vicente ver alcatrazes e cagarras. Se o vento virar para leste, torna-se mais difícil ver aves marinhas. Mas não é razão para arrumar os binóculos. O vento sudeste traz passeriformes: estas pequenas aves deixam de conseguir voar para sul, sendo “empurradas” na nossa direção, o que aumenta as hipóteses de ver espécies menos comuns. Chuva, ventos fortes ou uma descida súbita de temperatura diminuem a probabilidade de observar aves na região, mas depois da tempestade vem a bonança: quando o tempo limpa, as aves que ficaram “em fila de espera” põem-se todas a caminho, e as hipóteses de avistar algo interessante multiplicam-se.

 

Quando visitar

Embora se possam ver aves migradoras na zona de Sagres desde finais de agosto até ao início de novembro, o princípio de outubro é geralmente a melhor altura do ano para avistar um pouco de tudo: no ar, no mar e em terra.

 

Este artigo foi publicado na revista Pardela nº60 (Primavera/Verão 2020)

 

 

Descubra as aves de Sagres

Festival de Observação de Aves & Atividades de Natureza