A ilha da Madeira é conhecida mundialmente pela beleza das suas florestas. O que poucos visitantes saberão é a identidade do “jardineiro” que ajuda a manter as encostas verdejantes: o pombo-da-madeira, ou pombo-trocaz (Columba trocaz). Infelizmente, aquilo que torna o pombo tão importante para a emblemática floresta madeirense é também o que está a torná-lo num alvo: o seu apetite.
O pombo-da-madeira alimenta-se sobretudo de bagas, mas não é esquisito: vermelhas ou cor-de-laranja, maiores ou mais pequenas, muitas das plantas da Floresta Laurissilva servem. Enquanto se alimenta na floresta, o pombo vai plantando as sementes para a próxima geração – literalmente. Ao longo dos milénios em que estas espécies (plantas e pombo) evoluíram juntas na ilha, sem interferência humana ou de outros predadores, criou-se uma dependência mútua: os pombos dependiam da Laurissilva para alimento (e para fazer o ninho) e as plantas dependem do pombo para dispersar as suas sementes (as sementes de muitas destas plantas germinam melhor depois de passarem pelo sistema digestivo do pombo).
Mas o vasto apetite do pombo-da-madeira não se fica pelas plantas nativas. Também gosta de rebentos de vinha, couves e outras folhas, o que cria uma situação delicada.

O conflito
Na Madeira, falar de agricultura não é falar de grandes campos arados, mas sim de pequenas hortas, muitas vezes paredes-meias com a Laurissilva. Para o pombo, essas hortas são como restaurantes de “fast food” mesmo ao lado de casa. Mas os proprietários não gostam, claro. Face às queixas de agricultores, o Governo Regional da Madeira tem procedido ao abate de pombo-da-madeira em zonas afetadas. Esta é uma medida drástica, sobretudo para uma espécie que não existe em mais local nenhum no mundo, e que nos anos 80 estava ameaçada de extinção. “E não temos indicação nenhuma de que o abate esteja a resolver o problema”, diz Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira. Todos os anos continuam a existir queixas de proprietários cujas colheitas foram comidas por estes pombos.
Por outro lado, os dados sobre o estado da população desta espécie não são tão robustos como deviam. “Os censos de pombo desenvolvidos pelo Governo Regional não cobrem toda a ilha e por isso não permitem realmente saber o estado global da espécie. É importante perceber, por exemplo, se os pombos estão a aparecer mais nas hortas não por haver mais pombos, mas porque estão a sair da floresta” diz Cátia Gouveia. É urgente colmatar esta lacuna.

Melhores soluções
As perdas dos agricultores não podem ser menosprezadas. Para muitos, estas colheitas são importantes para a sua subsistência e das suas famílias. Mas poderá ser possível minimizar as perdas. Há canhões sonoros que assustam os pombos, há fitas holográficas que também os afugentam, e há redes que os impedem de chegar às culturas. E, nalguns casos, os próprios agricultores já arranjaram forma de minimizar as perdas, diz Cátia Gouveia: “há pessoas que nos contam que passaram a plantar milho mais acima, junto à laurissilva, e mudaram as couves mais para baixo, para mais longe da floresta, onde os pombos não vão”. E se estes ou outros métodos não letais falharem, outra hipótese será indemnizar os agricultores prejudicados. “Sendo esta uma espécie protegida, e com uma importância tão grande para a Madeira e para uma floresta que é património da humanidade da UNESCO, uma solução poderia passar por compensar monetariamente os agricultores pelos prejuízos causados pelo pombo”, diz Cátia Gouveia. “Dinheiro para isso não falta na Política Agrícola Comum”, acrescenta.
Tal como a floresta que ajuda a manter, também o pombo-da-madeira é um tesouro da Madeira. Com o aumento do turismo de natureza, o pombo é já chamariz para visitantes, que sobem as levadas na esperança de viver um momento que só aqui podem ter: observar esta espécie.
Quando uma espécie existe apenas numa ilha, qualquer problema pode ser fatal. A Madeira tem o privilégio de albergar a única população mundial desta ave, e de a ter como jardineiro nos seus preciosos jardins. Nas palavras de Cátia Gouveia: “Temos a obrigação, o conhecimento e os meios para encontrar soluções que permitam que as pessoas vivam em harmonia com este tesouro. Porque não fazê-lo?”
Este artigo foi publicado na nossa revista Pardela nº 59 (Outono/Inverno 2019).