Os campos agrícolas têm cada vez menos aves. Da Dinamarca à França, por toda a Europa têm surgido indicadores alarmantes, e Portugal não escapa a esta tendência. Mas não tem de ser assim: a nossa técnica de conservação Julieta Costa realça como a agricultura, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável podem ser compatíveis.
Quando as pessoas pensam em agricultura, pensam em natureza… O “campo” é um espaço natural?
Julieta Costa: É verdade, há muita biodiversidade, muita riqueza avifaunística ligada à agricultura. A maior parte das aves que temos hoje em dia nos ecossistemas agrícolas são espécies que já estão adaptadas à transformação que o Homem fez dos territórios. Por exemplo, por volta do séc. XIV, o Alentejo estava coberto por floresta mediterrânica. Ora bem, quando as pessoas deitaram abaixo essas florestas e começaram a plantar cereais, outras aves vieram aproveitar um outro uso do solo. Por isso é que hoje em dia temos no Alentejo os sisões e as abetardas, que são aves originárias das estepes do Médio Oriente e que agora estão nas chamadas pseudo-estepes cerealíferas. Por outro lado, os sistemas mediterrânicos são dos ecossistemas mais diversificados em espécies exatamente porque a ação humana milenar criou um mosaico muito heterogéneo de habitats.
Como é que aves e agricultura entram em conflito?
JC: Nas últimas décadas, com a intensificação da agricultura, as monoculturas e o uso de agroquímicos, toda esta diversidade tem vindo a ser destruída cada vez mais rapidamente, a ponto de nos últimos 10 anos se terem verificado declínios acentuados nas populações das aves ligadas aos sistemas agrícolas. Estamos a falar de aves que já estão adaptadas e beneficiam destes sistemas, e que têm vindo a diminuir, o que é motivo de alarme. No Reino Unido houve uma diminuição da ordem dos 50% desde 1970, e em França houve a revelação alarmante de que algumas espécies tiveram uma redução de quase 70% nos últimos 20 anos. Em Portugal, os resultados do Censo de Aves Comuns indicam que, embora o panorama geral não seja tão grave, há espécies associadas aos ecossistemas agrícolas que estão a diminuir a um ritmo acelerado, como o sisão, uma espécie que já estava ameaçada e que diminuiu 50% na última década.

Como disse, as comunidades de aves já se adaptaram a mudanças no passado. Tal como as abetardas vieram para o Alentejo há séculos, não há a hipótese de que agora venham outras espécies tomar o lugar das que estão em declínio?
JC: O problema neste momento é que se está a destruir a heterogeneidade do meio, e contra isso não há grande hipótese. Não existem muitas espécies que sobrevivam só no meio de campos homogéneos de milho, ou de olival intensivo – porque nessas zonas só há isso. Depois, a outra questão é que, para cultivar intensivamente, usam-se agroquímicos em abundância. E isso vai contaminar as águas, vai contaminar os solos e toda a cadeia alimentar, no topo da qual estamos nós. Portanto, nós temos é que assegurar que a atividade agrícola não vai empobrecer o meio rural duma forma tão radical, porque depois voltar atrás será muito difícil. Trata-se de uma luta por uma agricultura compatível, uma agricultura que não comprometa a natureza.
Para termos uma agricultura compatível com a natureza, o que é que tem que mudar na Política Agrícola Comum (PAC)?
JC: Por um lado, a Europa não precisa desta intensificação tão grande – pelo contrário, estamos a comprometer não só o nosso futuro através da contaminação do ambiente, mas também a biodiversidade que temos através da destruição dos habitats. Em termos de PAC, em vez de beneficiar a agricultura intensiva, deve-se apostar mais nos apoios aos agricultores que querem produzir de uma forma compatível com o ambiente. É preciso valorizar esses agricultores, e acompanhar a implementação das medidas para garantir que têm o impacto desejado.

O que é que o cidadão comum, ou um sócio da SPEA, pode fazer?
JC: Pode valorizar sistematicamente os produtos da agricultura biológica, e os produtos que de alguma forma mostram que são feitos com respeito pela natureza. Há várias etiquetas e certificações, mas para já as melhores formas de produção serão a agricultura biológica e os produtos das áreas protegidas.
Num cenário ideal, quando vai passear para o campo, o que gostaria de encontrar?
JC: Um campo heterogéneo, onde há espaços de clareira, com culturas agrícolas, mas onde as linhas de água são respeitadas, e mantêm a vegetação ribeirinha típica do ecossistema mediterrânico: uma galeria que tem freixos, choupos, e até amieiros (mais para o norte). Depois há os maciços arbóreos, que também são ótimos refúgios para aves e mamíferos. Muitas vezes são bosquetes – pequenas manchas com árvores crescidas e também um pouco de mato. E os matos também são importantes, porque têm arbustos que produzem bagas que proporcionam alimento para as aves no outono. Esse campo ideal tem zonas herbáceas, porque isso também é muito importante para os mamíferos herbívoros e aves granívoras, e para as rapinas que se alimentam deles. Pode ter muros, porque os muros também são uma grande fonte de biodiversidade. Na verdade, estas estruturas artificiais criam o seu nicho ecológico: muitos albergam répteis, que entram na cadeia alimentar de muitas espécies, desde picanços até às aves de rapina. O campo “ideal” pode tomar muitas formas diferentes – o que não é bom é um ambiente demasiado homogéneo.
Adaptado da entrevista publicada na revista Pardela nº 57