15 anos de trabalho nas Terras do Priolo provam que, como diz Azucena de la Cruz, “a conservação da natureza pode ser uma oportunidade de melhorar o bem-estar das pessoas”.

 

Para uma ave esquiva, o priolo vê-se muito. Nas ruas de Nordeste e de Povoação, em S. Miguel – concelhos que são eles próprios conhecidos como as Terras do Priolo – parece que há um priolo em cada esquina: a silhueta estilizada desta ave vê-se amiúde por aqui, em placas que proclamam que restaurantes, alojamentos

e lojas pertencem à Marca Priolo. Esta visibilidade é a prova de como os trabalhos de conservação do priolo ao longo dos últimos 15 anos ganharam lugar no coração dos nordestenses e povoacenses.

 

Quase meia centena de empresas ostenta a Marca Priolo. “É um selo que reconhece empresas que assumem um compromisso voluntário de melhorar o seu desempenho e contribuir para o desenvolvimento de uma atividade mais sustentável”, explica Azucena de la Cruz, coordenadora da SPEA Açores juntamente com Rui Botelho. A Marca foi criada no decorrer dos projetos de conservação e é atualmente gerida pelo Governo dos Açores em colaboração com a SPEA. Na prática, ao aderir à Marca Priolo, a empresa compromete-se a, em 3 anos, desenvolver 3 ações concretas que aumentem a sua sustentabilidade ambiental ou social. Pode, por exemplo, tomar medidas para reduzir a sua pegada ecológica (poupar água e energia, reduzir os resíduos que produz), utilizar produtos locais, apoiar entidades de solidariedade social do município, colaborar com ações de voluntariado ambiental, fazer doações a projetos de conservação ou envolver-se em atividades de educação ambiental. Decorridos os 3 anos, e cumpridas as 3 ações a que se propôs, a empresa pode voltar a candidatar-se por mais três anos, com mais 3 ações. “É um processo de melhoria contínua”, frisa Azucena de la Cruz.

 

Envolver as empresas

Todos os anos, os empresários da Marca Priolo podem ser vistos num auditório algures nas Terras do Priolo, a colar autocolantes coloridos em folhas de papel. Cada autocolante é um “voto” para que seja dada prioridade a determinada ação, e cada interveniente tem 5 “votos” para distribuir como achar melhor, ajudando assim a definir prioridades. O exercício faz parte dos procedimentos do Fórum Anual da Carta Europeia de Turismo Sustentável das Terras do Priolo.

 

As Terras do Priolo receberam esta designação pela primeira vez em 2012, e ela foi renovada em 2016 com um novo plano de ação. Tal como a Marca Priolo – que é, aliás, uma das ações da Carta – a própria Carta de Turismo Sustentável é também um processo de melhoria constante, em que o objetivo é tornar o turismo na região cada vez mais sustentável. Atualmente, na gestão da Carta estão envolvidas 10 entidades, incluindo a SPEA, que se comprometeram a desenvolver ações que vão desde a reflorestação à promoção da acessibilidade, da criação de sinalética à implementação de regras para o desporto de natureza. Muitas destas ações requerem coordenação e colaboração entre vários parceiros, públicos e privados – daí também a necessidade de definir prioridades em conjunto.

 

As discussões em torno da sustentabilidade passam para lá das quatro paredes e das 3 horas de reunião anual: um estudo recente mostrou que as empresas destes dois concelhos são, nos Açores, das que mais usam o termo “turismo sustentável”.

 

Atrair turistas

Na receção do Centro Ambiental do Priolo, Ana Mendonça testemunha diariamente os efeitos do trabalho de conservação no outro lado do turismo: a procura. Quando o centro abriu, em 2007, as pessoas vinham perguntar o que era isso do priolo. “Agora temos cada vez mais gente que vem de propósito porque ouviu falar dos trabalhos de conservação, e quer saber mais” diz a técnica da SPEA, que recebe os visitantes e os leva nas visitas guiadas. Também as escolas procuram cada vez mais o centro e as atividades pedagógicas que a SPEA oferece.

 

O Centro Ambiental do Priolo é a mais visível das infraestruturas criadas no âmbito dos projetos de conservação desta ave, mas não é a única que fica ao serviço da população. O viveiro de plantas nativas, criado para gerar a nova floresta de Laurissilva necessária para substituir as plantas invasoras e dar abrigo e alimento aos priolos, produz também algumas plantas para os jardins, tanto municipais como privados. Até os trilhos que foram abertos na reserva natural para que a equipa da SPEA consiga fazer o seu trabalho poderão, se houver interesse, vir a ser adaptados para roteiros turísticos.

 

Resistir à seca

Longe da vista dos turistas e dos habitantes das vilas, no Planalto dos Graminhais, José Pacheco e a sua equipa de campo fizeram o tempo voltar para trás. Originalmente estes terrenos de altitude eram zonas alagadas pontilhadas por esponjosas almofadas de vegetação: as turfeiras. Na década de 70, as turfeiras foram drenadas para criar as “típicas” pastagens açorianas. Como resultado, a ilha perdeu um dos seus reservatórios naturais de água. Financiados pelo projeto LIFE Laurissilva Sustentável (que decorreu entre 2008 e 2012), José Pacheco e os colegas trouxeram de volta as turfeiras, e o planalto voltou a ser uma paisagem dominada pela água, aumentando a capacidade da região para resistir à seca – o que será cada vez mais importante perante o cenário das alterações climáticas.

 

“Toda a gente percebe esta relação das turfeiras com a água”, diz Azucena de la Cruz, mas há outros benefícios do projeto que são menos intuitivos.

 

Evitar derrocadas

Todos os invernos, chovem relatos de derrocadas em S. Miguel. Perante as notícias de estradas cortadas e casas em perigo, o priolo não é a primeira coisa que vem à mente. Mas o que aprendemos ao trabalhar para proteger esta ave pode ajudar a evitar que estas notícias se repitam. Para restaurar a floresta de Laurissilva, temos de remover plantas invasoras. Mas remover plantas em zonas muito inclinadas aumenta o risco de derrocada. Por isso, desenvolvemos técnicas para utilizar as próprias plantas nativas e outros recursos naturais para estabilizar os taludes ou encostas mais inclinadas. Utilizando plantas nativas, madeira e rochas, seguram-se os taludes e desvia-se a água de forma a que não arraste muito material, mesmo quando há chuvas torrenciais como as que são frequentes nos invernos micaelenses. “Estas são técnicas que já se utilizam para restaurar ribeiras noutros locais, mas nós adaptámos essas técnicas para serem aplicadas nos Açores, com plantas nativas dos Açores” diz Azucena de la Cruz. Estas técnicas, desenvolvidas nas encostas remotas do Pico da Vara, podem perfeitamente ser aplicadas em zonas mais povoadas.

 

Juntamente com Pedro Teiga, consultor do projeto nesta área, já organizámos vários workshops para explicar esta abordagem a técnicos da Direção Regional do Ambiente e da Direção Regional de Recursos Florestais. E já fomos abordados por empresas de construção civil que estão também interessados em aprender estas lições do priolo.

 

Impactos palpáveis

A paisagem desta região está a mudar – e não é só nas florestas e áreas protegidas. “Cada vez mais pessoas nos pedem plantas nativas porque querem plantá-las nos seus jardins, que é uma coisa que ninguém pensava antes do projeto” diz Azucena de la Cruz com orgulho. Os pedidos demonstram como o viveiro se tornou um recurso para toda a população, e o orgulho na voz de Azucena ouve-se sempre que se fala do impacto positivo que o projeto está a ter na vida das pessoas. “Desde muito cedo, logo no início do Life Priolo [o primeiro projeto da SPEA para conservar o priolo], percebemos que, se queríamos a longo-prazo assegurar a conservação do priolo, tínhamos que criar oportunidades para as pessoas, para começarem a ver o priolo como uma oportunidade de desenvolvimento”, diz Azucena de la Cruz. Essa demonstração passou também, claro, pelo lado financeiro.

 

“O dinheiro que vem da Europa e da própria Região Autónoma dos Açores para estes projetos, o priolo não o come. Nós investimo-lo na região: vai dinamizar a economia, criar emprego, é gasto nas lojas e para criar infraestruturas”, frisa Azucena, citando números. Em todos os projetos de conservação do priolo até à data, três quartos do dinheiro recebido foi gasto nas Terras do Priolo. A maioria do restante foi gasto noutras zonas dos Açores, com 90% do financiamento a ficar nesta Região Autónoma. Além do impacto direto nas pessoas contratadas e nas empresas a quem foram comprados materiais, este investimento traduziu-se, anualmente, numa média de 12 550€ que entraram diretamente no orçamento da região, sob a forma de IVA.

 

Dinamização da economia, criação de recursos, melhoria da qualidade da água e resiliência às alterações climáticas. Estes são alguns dos tópicos que Azucena refere nas apresentações que faz sobre o impacto do projeto, quando fala com decisores políticos, potenciais financiadores, ou outros conservacionistas que aqui vêm aprender com a experiência do priolo. Mas se lhe pedem para resumir o impacto nas pessoas, socorre-se da sua experiência pessoal. “Neste momento, quando me perguntam o que é que eu [uma espanhola] estou a fazer cá, eu digo “trabalho com o priolo”, e as pessoas percebem, não preciso de explicar mais nada.”

 

“O priolo é nosso”

“Quando eu cheguei em 2006, as pessoas não queriam saber se havia ou não havia priolo, era-lhes um bocado indiferente”, recorda Azucena. Uma década e meia de trabalho junto das pessoas fez com que a indiferença passasse a orgulho. “Estamos a preservar algo que é único desta parte da ilha, e as pessoas abraçaram isso, é motivo de orgulho: “o priolo é nosso”. E se perguntares aos nordestenses, é do Nordeste, nem sequer é da Povoação” comenta com um sorriso.