• As energias renováveis eólicas oceânicas poderão ter impactos negativos nas populações, habitats e rotas migratórias de centenas de milhares de aves marinhas
• Primeiro exercício de mapeamento de sensibilidade identifica as áreas de maior impacto da expansão prevista para a energia eólica oceânica nas aves marinhas e costeiras
• SPEA e Fundação Oceano Azul alertam que a descarbonização, apesar de ser fundamental e urgente, não deve ser conseguida à custa da perda de biodiversidade e apelam à mobilização de conhecimento técnico-científico antes do avanço do projeto
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em parceria com o cE3c, apresentou os primeiros resultados do estudo apoiado pela Fundação Oceano Azul sobre o impacto do licenciamento de energia renovável oceânica (offshore) em larga escala, previsto acontecer em Portugal ao longo dos próximos anos, nas populações de fauna marinha, em especial nas aves marinhas.
Este exercício de mapeamento de sensibilidade realizado pela SPEA, que avaliou a sensibilidade de 34 espécies de aves marinhas às localizações previstas para a energia eólica offshore, com base nas suas características ecológicas e comportamentais, evidenciou um forte aumento da sensibilidade de acordo com a distância à costa e às colónias de nidificação, e aponta as áreas propostas de Viana do Castelo Norte, Viana do Castelo Sul e Ericeira como as áreas onde os impactos devem ser considerados e a localização e/ou delimitação destas áreas revista.
Tendo o Governo identificado cinco áreas na costa continental portuguesa para o desenvolvimento da indústria de energias renováveis no mar em larga escala – ao largo de Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz, Ericeira e Sines –, o estudo mostra que é fundamental que se debata, analise e estude os potenciais impactos e as zonas preferenciais para a sua instalação. No caso da Ericeira, a zona proposta sobrepõe-se à estudada na Expedição Científica Oceano Azul Cascais Mafra Sintra, realizada em outubro de 2022, cujo objetivo foi o levantamento de valores naturais, com vista a uma futura proposta da criação da Área Marinha Protegida de Iniciativa Comunitária (AMPIC) de Cascais, Mafra e Sintra, área essa com valores naturais únicos apontados no relatório desta expedição, que será apresentado até ao final do ano. No caso particular desta área, a mesma situa-se anexa a duas Zonas de Proteção Especial, e em habitat utilizado como zona de alimentação da população nidificante de cagarras nas ilhas Berlengas.
As aves marinhas e costeiras são um dos grupos de animais mais ameaçados do mundo devido a impactos humanos como as capturas acidentais por artes de pesca e a poluição. São o grupo mais afetado pela expansão dos parques eólicos marinhos devido às colisões com as pás das turbinas ou ao efeito barreira criado pelos parques eólicos e sobretudo à perda de habitat que necessariamente acontecerá pela exploração de vastas áreas marinhas.
“A agenda da descarbonização é fundamental para o futuro do planeta e de Portugal, sendo os parques eólicos importantes para essa agenda, mas é fundamental cumpri-la de uma forma correta, não cometendo erros que possam levar a problemas numa outra agenda tão ou mais importante, que é a da proteção e recuperação da biodiversidade”, alerta Emanuel Gonçalves, Coordenador Científico e Administrador da Fundação Oceano Azul, acrescentando que “há uma oportunidade única neste momento de fazermos o correto; as eólicas offshore têm a natureza de ocupação industrial do espaço oceânico, e tal deve ser feito com regras e conhecimento, para que a agenda da biodiversidade não se subordine à agenda da descarbonização”.
Domingos Leitão, diretor executivo da SPEA, refere que “sendo o espaço marítimo português e os seus recursos naturais património de todos os portugueses, é imperativo que este processo seja transparente, claro e ambicioso no que diz respeito ao
envolvimento da sociedade no mesmo”, lembrando ainda que “é de extrema importância acautelar desde já impactos futuros para as aves marinhas, começando por evitar as zonas identificadas como sendo ecologicamente mais sensíveis”.
Estando o Governo prestes a tomar uma decisão sobre estas áreas, é fundamental mobilizar a melhor informação técnico-científica que sirva de base para esta decisão. Neste momento, Portugal não tem ainda um mapa claro das áreas prioritárias para a conservação marinha, que é fundamental para atingir os objetivos a que o país se propôs na agenda da biodiversidade, na convenção da diversidade biológica ou na proteção de 30% do seu mar até 2030. Os mapas de sensibilidade apresentados agora pela SPEA são uma valiosa ferramenta para sustentar a decisão final e devem ser tidos em conta pelos decisores.
Após os resultados do mapeamento de sensibilidade das aves e biodiversidade marinha à energia eólica no mar terem sido tornados públicos, a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos apresentará um Plano de Afetação, que incluirá, entre outros elementos, uma proposta final de áreas espacializadas para implantação de projetos de energias renováveis offshore, bem como o relatório da Avaliação Ambiental Estratégica efetuada. Este Plano de Afetação será sujeito ao processo de consulta pública, brevemente. Existe a ambição política de que o leilão das áreas definidas avance antes do final de 2023 e é fundamental que haja mobilização de conhecimento técnico-científico antes do avanço do projeto.
Sobre a Fundação Oceano Azul
A Fundação Oceano Azul foi criada em 2017, com a motivação de contribuir para um oceano mais saudável e produtivo. Sob o mote “From the ocean’s point of view”, a Fundação trabalha três conceitos: blue generation, blue natural capital e blue network. Com uma abordagem assente na ciência, o modelo de mudança da Fundação Oceano Azul integra estes conceitos nos projetos que desenvolve em diferentes áreas como literacia, conservação, pesca sustentável, campanhas de sensibilização, economia azul e capacitação, nomeadamente trabalhando com governos, fundações e organizações da sociedade civil, ONU e UE, para fazer avançar a agenda internacional dedicada ao oceano.
Sobre a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
A SPEA é uma Organização Não-Governamental de Ambiente de âmbito Nacional, reconhecida como entidade de Utilidade Pública desde julho de 2012, e também como Organização Não-Governamental de Desenvolvimento desde julho de 2021. Criada em 1993, a SPEA trabalha diariamente para proteger as aves portuguesas e os habitats ímpares de que dependem. Com a ajuda de sócios, voluntários e parceiros, acompanha o estado das aves, constrói ninhos, remove espécies invasoras, luta por melhores leis e combate crimes contra o ambiente.