Terminaram esta madrugada as negociações no Conselho Europeu de Ministros da Agricultura e das Pescas (AGRIFISH), a reunião final do ano em que habitualmente se decidem as quotas de pesca para a União Europeia (UE) para o ano seguinte. Num ano condicionado pela pandemia provocada pela COVID-19 e o resultado ainda incerto das negociações do Brexit, ficaram definidas várias quotas importantes para Portugal, algumas delas acima dos níveis aconselhados pela ciência, o que põe em risco a saúde dos ecossistemas marinhos e a sustentabilidade das pescarias que deles dependem.

 

Apesar das incertezas processuais que pautaram as negociações, no que toca às quotas importantes para Portugal, estas acabaram por não sair grandemente prejudicadas, já que entre os cerca de 30 Totais Admissíveis de Captura (TAC) que são geridos em exclusivo pela UE se encontram vários de grande importância para Portugal, como a pescada, a solha, o linguado, o carapau, o espada-preto, o tamboril ou o goraz. Apesar de os números finais ainda não serem conhecidos, tudo indica que vários TAC foram fixados acima do que era aconselhado pelos pareceres científicos.

 

As Organizações Não Governamentais de Ambiente portuguesas já tinham congratulado a Comissão Europeia (CE) pelas suas propostas de TAC em linha com os pareceres científicos para os stocks em que Portugal tem interesse. Esta é, de resto, uma exigência da Política Comum das Pescas (PCP) que também se encontra expressa no Acordo das Nações Unidas sobre as Populações de Peixes (UNFSA, na sigla em inglês), do qual tanto o Reino Unido como a Noruega são signatários, que é a matriz na qual a PCP se inspirou para definir os objetivos da gestão pesqueira. Mas infelizmente, o Conselho terá optado por fixar alguns TAC acima da proposta da CE.

 

Os responsáveis da PONG-Pesca*, para além de lamentarem a habitual e continuada falta de transparência e a resistência dos decisores políticos em partilhar com a sociedade civil informações relevantes, relembram que o facto de haver menos quotas a serem discutidas neste Conselho não minimizava a responsabilidade dos governantes europeus em garantir decisões baseadas em ciência. A confirmarem-se os resultados preliminares, apesar de algum progresso, parece claro que a UE falhou mais uma vez o seu compromisso legal de acabar com a sobrepesca, nos stocks em tinha a possibilidade e responsabilidade exclusiva de o fazer. Para além de colocarem em risco os stocks e a sustentabilidade a médio e longo prazo das comunidades piscatórias que deles dependem, as decisões agora tomadas ignoram a urgência do combate à crise climática e à crise da biodiversidade, dois dos grandes desafios ambientais dos nossos tempos e para os quais a manutenção do bom estado do ecossistema oceânico é fundamental.

 

No entanto, com as pescas a ocupar um dos lugares centrais nas discussões do Brexit, grande parte das quotas ficaram por decidir, precisamente por serem partilhadas com o Reino Unido, tendo ficado adiadas para 2021, quando, expectavelmente, haverá mais clareza sobre o futuro das relações UE-Reino Unido. Isto assume particular relevância para Portugal, uma vez que irá presidir ao Conselho da UE no primeiro semestre de 2021, fazendo desta uma oportunidade concreta para o país assumir o papel de liderança que parece querer ter no que toca aos oceanos, a nível europeu e mesmo global. Por fim, e a complementar esta conjuntura, no início deste mês, o primeiro-ministro assinou e apoiou o manifesto do Painel dos Oceanos que, entre muitas outras coisas, desafia ambiciosamente todos os governos a gerir sustentavelmente 100% das suas Zonas Económicas Exclusivas até 2025. Esta é, por isso, a altura ideal para passar das palavras aos atos.

 

Contacto: Gonçalo Carvalho | +351 936 257 281

 

*APECE – Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação dos Elasmobrânquios, GEOTA – Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente, LPN – Liga para a Protecção da Natureza, OMA – Observatório do Mar dos Açores, Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, Sciaena – Oceanos # Conservação # Sensibilização, SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e ANP/WWF – Associação Natureza Portugal em associação com World Wildlife Fund for Nature.