Associações ambientalistas satisfeitas com exclusão de áreas naturais chave, mas querem ajustamentos, maior transparência e participação dos cidadãos
Portugal tem a intenção de avançar com o licenciamento de energia renovável oceânica (offshore) em larga escala ao longo das próximas décadas e, neste quadro, a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos elaborou uma proposta preliminar das áreas espacializadas para implantação de projetos de energias renováveis offshore, que esteve em processo de consulta pública entre 30 de janeiro e 10 de março.
Na passada terça-feira, foi divulgada pelo governo a versão final do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho para o planeamento e operacionalização de centros electroprodutores, baseados em fontes de energias renováveis de origem ou localização oceânica, que reajusta as áreas de exploração e traça caminhos para a sua implementação. Propõe-se assim que se avance desde já com um processo de concurso para eólicas offshore, ainda este ano, apenas nas áreas de Viana do Castelo, Leixões e Figueira da Foz, totalizando cerca de 3,5 GW de capacidade instalada.
A ZERO, a ANP|WWF, a SPEA e a Sciaena acolhem positivamente a eliminação das áreas de Matosinhos, de Sintra-Cascais e de Sines (Zona Portuária) desta proposta de espacialização, sendo este um avanço bastante positivo, particularmente no caso da área de Sintra-Cascais que se sobrepunha totalmente à Zona de Proteção Especial (ZPE) do Cabo Raso, uma área classificada da Rede Natura 2000. Saudamos ainda que o desenho dos novos polígonos tenha sido realizado tentando não os tornar contíguos aos limites de áreas ecologicamente sensíveis. Contudo, mantém-se a apreensão face à ambição de vir a ocupar algumas das restantes áreas. A zona da Ericeira, por exemplo, permanece nesta versão final (ainda que com novas dimensões aparentemente reduzidas), o que não deixa de ser um fator de preocupação por estar numa zona de alguma sensibilidade entre duas ZPE e de grande proximidade ao arquipélago das Berlengas, podendo vir a representar impactes sobre a única população nidificante da cagarra no continente.
O relatório evidencia um esforço adicional e compreensível de coordenação e audição com o setor das pescas, totalizando treze reuniões com representantes do setor com vista a acomodar as respetivas reivindicações e preocupações. Porém, há um descuramento claro e lamentável pelas restantes partes interessadas, nomeadamente as Organizações Não Governamentais de Ambiente, com as quais não houve qualquer reunião.
Para as associações ambientalistas, o processo de auscultação no âmbito do próximo passo que está em curso que é a realização de Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE) para as áreas oceânicas e em terra tem sido opaco, não tendo as organizações sido envolvidas desde o início. É ainda crucial existir coordenação entre as AAE que forem feitas para a parte mar e da parte terra (da responsabilidade da Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos e das Redes Energéticas Nacionais, respetivamente), já que será também relevante garantir que todas as infraestruturas tenham o menor impacte possível no conjunto das áreas afetadas. De um modo geral, é positivo que se equacionem ligações entre parques eólicos por forma a reduzir o número de ligações e de entradas de cabos em terra a convergir para zonas industriais de consumo intensivo de energia.
As associações não compreendem também como é que há expectativa de leilão de 3,5 GW quando a proposta revista do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) aponta para uma capacidade instalada de 2 GW de eólica offshore até 2030. Estas nuances e incoerências trazem alguma incerteza sobre qual será, no final, a potência instalada para 2030.
Por outro lado, é preocupante que se evoque a necessidade de criar um procedimento específico “fast- track” para a Avaliação de Impactes Ambientais de intervenções associadas ao desenvolvimento do setor eólico offshore, já que, sabendo-se que estes são projetos de infraestrutura à escala industrial, é imprescindível não descurar a magnitude dos potenciais impactes ambientais e sociais e garantir que a transição energética seja feita em benefício da natureza e das pessoas – não do lucro desmedido. Desta forma, no âmbito da AAE é importante clarificar eventuais impactes associados, sobretudo no que diz respeito às áreas de construção e reparação nos Portos de Aveiro, Setúbal e Sines.
Não deixa de ser curiosa a celeridade que tem sido concedida a este processo, sobretudo face ao constante atraso que marca a designação de áreas marinhas protegidas e as lacunas existentes no que diz respeito à gestão efetiva e eficaz das mesmas. Além disso, não faz qualquer sentido avançar com uma designação de áreas para exploração offshore que não esteja enquadrada num ordenamento do espaço marítimo integrado, que sirva de base para o desenvolvimento ecológico de uma economia azul sustentável. Não obstante, Portugal faz parte do conjunto de países alvo de processo de infração por parte da Comissão Europeia por não terem desenvolvido e apresentado os respetivos Planos de Ordenamento do Espaço Marítimo atempadamente. Portugal tem agora dois meses para o fazer e a aprovação do Plano de Afetação para Energias Renováveis Offshore será um momento-chave neste contexto.
O modelo denominado como centralizado, a funcionar num regime de CfD (Contract-for-Difference), em que há uma ponderação de 70% do critério preço e 30% de critérios não económicos deve ser o privilegiado. Este modelo tem sido o selecionado noutros países da União Europeia como o preferível, onde a intervenção do Estado é feita sem custos, impede variações excessivas do preço de venda da eletricidade, dá segurança ao investimento e aos promotores, assegurando também que há uma menor probabilidade de percalços na concretização dos projetos. Mais ainda, garante que os critérios não- económicos sejam garantidamente refletidos nos concursos para as licenças.
Para que haja alinhamento entre o desenvolvimento de projetos de energia eólica offshore, as metas da Estratégia de Biodiversidade da União Europeia e os princípios presentes na Diretiva relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis, as propostas para os projetos de energia renovável offshore devem incluir critérios ambientais e sociais, como sejam, a redução de impactos, promoção da biodiversidade, inovação e a participação dos cidadãos no investimento.
Estes critérios devem ser integrados desde logo numa fase de pré-seleção de propostas a concurso e deve ser assegurado que tenham um papel decisivo na seleção das propostas vencedoras. A inclusão de critérios ecológicos pode incentivar boas práticas como o uso circular de recursos, o design inclusivo para a natureza, a proteção de ecossistemas vulneráveis, o restauro de habitats e a partilha de conhecimento entre interlocutores. Quanto à participação e inclusão, em toda a Europa os cidadãos já participam no investimento de produção de energia renovável, através de comunidades de energia renovável. Como exemplo, em abril de 2023, o governo federal belga confirmou o seu apoio à participação dos cidadãos em grandes parques eólicos offshore através das comunidades de energia renovável, tornando a Bélgica o líder na Europa na implementação das diretivas europeias na inclusão dos cidadãos na participação ativa na transição energética. Portugal pode e deve encontrar o seu próprio modelo para a participação dos cidadãos nos leilões do eólico offshore.