A Coligação C7 alerta para as consequências das fracas políticas de conservação da natureza em Portugal, patentes desta vez no caso dos cortes rasos de árvores na Serra da Lousã, em plena Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000. Entre os problemas incluem-se vazios na regulamentação, atraso na elaboração e publicação dos planos de gestão obrigatórios para as áreas da Rede Natura 2000, constantes e impunes agressões à cada vez mais marginalizada Reserva Ecológica Nacional e a reduzida fiscalização no terreno em matéria ambiental.

 

Nas últimas semanas, foram notícia os cortes rasos de árvores, sobretudo pinheiros-bravos adultos, no Casal da Silveira, na Serra da Lousã. A área em questão está inserida na Zona Especial de Conservação (ZEC) da Serra da Lousã, parte integrante da Rede Natura 20001, o principal instrumento para a conservação da natureza na União Europeia, e também na Reserva Ecológica Nacional (REN), um conjunto de áreas estratégicas que, pelo valor e sensibilidade ecológicos ou
pela sua exposição e suscetibilidade perante riscos naturais, são objeto de proteção especial.

 

As atenções têm estado dirigidas para a possibilidade do responsável pelos cortes não ser o legítimo proprietário nem ter autorização deste, o que terá, alegadamente, resultado na emissão de dois embargos administrativos, uma queixa-crime e, finalmente, numa providência cautelar para tentar suspender os trabalhos do empreiteiro florestal.

 

No entanto, as organizações que compõem a Coligação C7 (ANP|WWF, FAPAS, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e ZERO) vêm alertar para várias outras dimensões de um emaranhado de problemas ambientais que estes cortes rasos de árvores vêm colocar a descoberto, mas que, devido aos mecanismos legais vigentes e à fraca atuação do Estado, resultaram num mero auto de notícia pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sobre a abertura não autorizada de caminhos.

 

Como é que, numa área de encosta com elevado risco de erosão e inserida numa ZEC detentora de elevados valores naturais (no seu todo, com várias espécies e habitats protegidos ao nível na União Europeia), é autorizado o corte raso de uma extensão de 25 hectares, descuidando um conjunto de boas práticas florestais e ambientais e, assim, potenciando impactos negativos e riscos desnecessários? Entre outros, esta intervenção irá contribuir para a erosão do solo e para a criação de condições mais favoráveis à instalação de espécies exóticas invasoras numa zona que já está significativamente degradada.

 

O pinheiro-bravo é uma espécie autóctone que produz madeira de qualidade com interesse comercial para diversas aplicações. Na floresta, contribui para a conservação do solo e para a estabilidade das vertentes, como é o caso na Serra da Lousã. O DL n.o 31/2020, de 30 de junho, institui a declaração prévia obrigatória de corte, corte extraordinário, desbaste ou arranque de árvores de espécies florestais, que se destinem à comercialização com o objetivo de garantir a rastreabilidade do material lenhoso desde o local da produção florestal até à indústria. Quando se pretende cortar mais de 10 árvores, é necessária a comunicação prévia ao ICNF, na sequência da qual é emitido um Manifesto de Corte de Árvores pelo Sistema de Informação de Manifesto de Corte (SiCorte) do ICNF. Contudo, tal não se revela suficiente. É essencial que a legislação garanta critérios de identificação de que quem faz a declaração tem a autorização do legítimo proprietário, situação que não está a ser assegurada atualmente pelo ICNF.

 

Para além disso, é também necessário olhar para a extensão das áreas de corte. Numa área de reconhecido valor natural e sensibilidade ecológica, há diferenças no impacto ambiental do corte raso de 1, 25 ou 100 hectares de floresta, independentemente da espécie em questão, quando estão em causa áreas contínuas e cortes não desfasados ao longo dos anos. Neste contexto em particular, e estando a área afetada inserida na tipologia de “Áreas com risco de erosão”4da REN, é entendimento da Coligação C7 que a destruição do revestimento vegetal em curso, mesmo tratando-se de operações de exploração dos espaços florestais, pode colocar em causa as funções da respetiva área e, como tal, deveria ser alvo de uma comunicação prévia devidamente fundamentada.

 

Acresce que, apesar de pertencer à Rede Natura 2000, o plano de gestão desta [e outras] ZEC do País ainda não saiu da gaveta, fazendo com que se percam sucessivas oportunidades de implementação de medidas de conservação. Estas medidas podem ir desde intervenções diretas sobre os diferentes habitats e espécies-alvo, fiscalização, monitorização e sensibilização, a medidas que visem preventivamente, e por via regulamentar, salvaguardar os valores naturais alvo de determinados fatores ou pressões humanas, com a regulação de atividades.

 

Para Filipa de Jesus Gouveia, dirigente da LPN – Liga para a Protecção da Natureza, “não é admissível que quatro anos depois da condenação de Portugal no Tribunal Europeu por incumprimento da Diretiva Habitats, o Estado português continue com atrasos tão significativos na efetiva implementação, gestão e proteção da Rede Natura 2000”.

 

Ainda assim, lendo aquela que é a proposta de plano de gestão para aquela ZEC, não se encontram medidas que regulem o corte de uma extensa área de floresta

quando a espécie em questão é o pinheiro-bravo.

 

A questão da falta de fiscalização no terreno, por falta de meios humanos, recursos financeiros ou estratégia, é outra que precisa de finalmente ser ultrapassada, sob risco de perdermos os valores naturais que levaram à classificação destes espaços. Neste caso, de acordo com o próprio ICNF, foi uma comunicação da Câmara Municipal da Lousã que levou à deslocação da equipa de Vigilantes da Natureza ao local, na sequência da qual detetaram a abertura ilegal de caminhos naquela área da Rede Natura 2000. Além dessa situação, a Coligação C7 alerta para o conhecimento geral da existência no território de madeireiros que efetuam cortes ilegais que, quando detetados pelo proprietário, são muitas vezes resolvidos com acordo de preços acima do valor de mercado, para silenciar o problema. Uma situação que dificilmente aconteceria com uma presença regular do corpo nacional de vigilantes no terreno.

 

Sobre o auto de notícia, é importante esclarecer que a abertura de caminhos na Rede Natura 2000 e, em particular, na Serra da Lousã, para além de levar à destruição de habitats e contribuir para o aumento da erosão (devido à mobilização e arrastamento de solo), abre verdadeiras autoestradas no espaço florestal à propagação e instalação de espécies exóticas invasoras, como acácias, háqueas ou espanta-lobos, difíceis de controlar e de combustão mais rápida, facilitando a passagem do fogo.

Abrem-se assim feridas difíceis de curar e de cicatrizar numa das mais biodiversas áreas da região Centro de Portugal, e onde a promoção da biodiversidade e o

restauro ecológico têm sido desenvolvidos em harmonia com projetos de combate à desertificação e despovoamento do interior por via da revitalização de aldeias e da promoção do turismo de natureza sustentável.

 

 

A Coligação C7 apela, assim, ao Ministro do Ambiente e da Ação Climática para que:

 

  • Se identifiquem e façam cumprir as interdições de usos e as ações, de iniciativa pública ou privada, que sejam efetivamente incompatíveis com os objetivos de proteção ecológica e ambiental, e de prevenção e redução de riscos naturais de áreas integradas em REN, em defesa desta rede ecológica;
  • Encete melhores esforços pela conclusão do processo de elaboração e aprovação dos planos de gestão das ZEC da Rede Natura 2000 e promova a sua efetiva aplicação no terreno;
  • Reforce a capacidade e presença do ICNF em todas as áreas do Sistema Nacional de Áreas Classificadas que, para além da Rede Nacional de Áreas Protegidas, inclui a Rede Natura 2000;
  • Se criem os mecanismos (incluindo financeiros) para a implementação de programas a longo prazo, no mínimo 20 anos, para monitorizar e controlar as espécies exóticas invasoras em todo o território nacional (uma necessidade já identificada, mas para a qual o Fundo Ambiental não está preparado para dar resposta);
  • Se altere a regulamentação legal para a execução de cortes de arvoredo maduro de um modo geral e das espécies autóctones em particular, no sentido de proteger o pouco que resta dessas florestas e de assegurar a conservação do solo, os recursos hídricos e prevenção de riscos naturais (de enxurradas, fogos florestais, etc.).

 

 

 

A Coligação C7 é composta pelas seguintes ONGA:

ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF
FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente
LPN – Liga para a Protecção da Natureza
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável