O perturbador episódio da Quinta da Torre Bela, na Azambuja, desencadeou uma onda de reações de repúdio, transversal a toda a sociedade, que pode hoje começar a ganhar forma e substância na reunião entre o Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática e o Conselho Nacional da Caça e da Conservação da Fauna. Este órgão, inexistente durante as últimas décadas, vem assim responder a um convite à reflexão sobre a Lei da Caça que surge em boa hora, dada a necessidade de promover melhorias significativas no sector da caça, tanto ao nível da legislação, da sua implementação e fiscalização, como da formação dos próprios caçadores.

 

Antecipando a mais que provável revisão da Lei da Caça, a Coligação C6 propõe 6 alterações-chave para que se concretize uma mudança de fundo no paradigma desta atividade, para que ela contribua ativamente para a proteção da Natureza:

  1. Deixar de permitir que a caça seja uma simples exploração dos ecossistemas, a fim de que se torne numa ferramenta importante para a preservação dos mesmos. É verdade que já existem bons exemplos disso em Portugal, como as zonas de caça que colaboram em projetos de conservação do lince-ibérico e de aves de rapina no Sudeste Alentejano. Mas, infelizmente, estes bons exemplos são exceções, e a única forma de se generalizarem no território é colocar a conservação dos ecossistemas explorados como obrigação na Lei. Sabendo que as zonas de caça são obrigadas a seguir planos de gestão cinegética, focados apenas em gerir de forma sustentável as populações de espécies que podem legalmente ser caçadas, consideramos que esses planos deveriam obrigar à preparação e implementação de medidas para manter e melhorar o estado de conservação dos ecossistemas e sua biodiversidade.
  2. Definir limites diários ao número de animais que cada caçador pode abater. Os planos de gestão cinegética das zonas de caça deveriam ser obrigados a respeitar limites máximos por caçador para todas as espécies cinegéticas. Esta alteração, assim como a diminuição do número de animais que podem ser abatidos para algumas espécies que já preveem esse limite, devem ser firmadas na Lei da Caça e sua regulamentação. Para além de evitar espetáculos tristes como o da Quinta da Torre Bela, esta alteração contribuiria para uma gestão focada nos ecossistemas e combateria a intensificação excessiva da produção de certas espécies cinegéticas.
  3. Rever regularmente a lista de espécies cuja caça é permitida. A lista de espécies que é legal caçar precisa igualmente de sofrer alterações. Devem, por exemplo, ser excluídas espécies com populações reduzidas ou em declínio. Um caso paradigmático desta situação é a rola brava, cujas populações estão em queda vertiginosa em toda a Europa, ao ponto de ser hoje considerada uma espécie ameaçada. Não faz qualquer sentido caçar espécies nesta situação.
  4. Proibir a caça com chumbo em todo o território nacional. Outra consequência grave da caça é a poluição dos terrenos e zonas húmidas por munições de chumbo, para as quais existem hoje bons substitutos. A toxicidade deste metal é tão elevada que, para evitar a sua acumulação no organismo, a UE recomenda que ninguém faça mais de três refeições de animais caçados com chumbo por ano. Apesar destas munições serem já proibidas em vários países, continuam a ser lançadas no território europeu 19 mil toneladas de chumbo por ano. A UE proibiu recentemente a utilização das munições de chumbo nas zonas húmidas, mas a nossa legislação deve desde já alinhar com a dos países que já a proibiram em todo o território, como a Dinamarca e a Holanda.
  5. Agravar o quadro penal. Uma legislação é tremendamente ineficaz se não possuir os meios e mecanismos necessários à sua implementação. Seria importante agravar o quadro penal de forma a dissuadir os crimes e contraordenações na atividade da caça, tendo penas administrativas pesadas, como o cancelamento de licenças de zonas de caça, acompanhada da interdição de as restabelecer durante um período prolongado. É essencial impedir situações (que se têm verificado) onde a empresa ou a associação que cometeu o crime muda de nome e de NIF e se volta a reestabelecer. Para que tal se concretize, é também fundamental reforçar muito a capacidade de fiscalização do cumprimento da legislação. O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) atribui licenças de exploração de zonas de caça, mas não tem capacidade para fiscalizar o cumprimento dos seus planos de gestão e exploração. Igualmente grave é a baixíssima capacidade do ICNF e do SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente – GNR) para zelarem, no terreno, pelo respeito da legislação.
  6. Melhorar a formação dos caçadores. Uma das principais consequências da falta de recursos nestas instituições públicas é a continuada ocorrência de crimes contra a Natureza, como envenenamento e abate de espécies ameaçadas, que comprova existir ainda espaço para promover uma melhor formação dos caçadores. Ao longo das últimas décadas, foi alcançado algum progresso a este nível mas é ainda claramente insuficiente. Deve ser incutido um respeito mais alargado pela Lei e pela Natureza, aliado a campanhas de informação, que permitam que a caça se mova em direção a um cenário de sustentabilidade e conservação dos ecossistemas, e não de ameaça.

 

Com estas propostas, as ONGAs que compõem a C6 afirmam o seu compromisso com a procura de soluções construtivas para que atividades como a caça, com grande importância para o dinamismo económico das zonas rurais, possam continuar a ser praticadas respeitando os limites da natureza, e que possam contribuir para travar a perda de biodiversidade.

 

Informações suplementares

A C6 é a Coligação das principais ONGA nacionais, criada em 2015 com o objetivo de atuar a uma única voz junto da sociedade civil e das instituições públicas e governamentais na defesa, proteção e valorização da Natureza e da Biodiversidade em Portugal.

Constituem a C6:

ANP | WWF – Associação Natureza Portugal em associação com WWF 

FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade

GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente

LPN – Liga para a Protecção da Natureza

Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Ave

 

Contactos

Jorge Palmeirim | 963 771 706 | jorge.palmeirim@lpn.pt
Eduardo Santos | 964 119 504 | geral@lpn.pt
Catarina Grilo | 960 101 668 | cgrilo@natureza-portugal.org
Domingos Leitão | 969 562 381 | domingos.leitao@spea.pt
Hélder Careto | 962 602 680 | geota@geota.pt
Nuno Gomes Oliveira | 917 888 272 | fapas@fapas.pt
Samuel Infante | 962 946 425 | samuelinfante@quercus.pt