Das Canárias aos Açores, astrónomos e conservacionistas uniram esforços para mitigar a poluição luminosa, no projeto EELabs. O coordenador do projeto, Miquel Serra, do Instituto de Astrofísica das Canárias, conta-nos tudo.

 

 

O que é o EELabs?

O EELabs é um projeto da União Europeia, no âmbito do programa Interreg MAC, criado com o objetivo de minimizar a poluição luminosa nos ecossistemas naturais da Macaronésia, maximizando a eficiência energética das novas tecnologias de iluminação, principalmente LED.

 

Compreender o impacto da luz noturna artificial em espaços naturais protegidos é crucial para definir os riscos e ameaças, e propor soluções possíveis. Para isso, o projeto EELabs vai instalar laboratórios nas áreas naturais para medir a poluição luminosa nesses locais onde ela não deveria ter chegado.

 

 

A poluição luminosa é um problema apenas para astrónomos e aves, ou afeta também a vida das pessoas?

A poluição luminosa, como qualquer outro tipo de poluição do ar, afeta-nos a todos. É um problema transversal que ameaça não apenas a astronomia, mas também os ecossistemas noturnos.

 

Se já olhou para o céu a partir de sua casa, provavelmente reparou que não vê tantas estrelas quanto do campo ou da montanha, num lugar distante dos grandes centros urbanos. Isso deve- -se à poluição luminosa. Esta perda da escuridão natural, devido ao uso crescente de luz noturna artificial, tem um impacto perigoso sobre os ecossistemas naturais.

 

Para as aves marinhas da Macaronésia, as consequências são especialmente graves. Muitas das espécies que habitam os arquipélagos têm a peculiaridade de fazerem os seus ninhos em buracos no solo e só visitarem as suas colónias à noite, guiadas pelas estrelas, e procurar alimento no escuro, alimentando-se de presas bioluminescentes. Portanto, precisam de ambientes com pouca luz e são muito sensíveis à poluição luminosa.

 

Mas os humanos também são afetados. A luz constante altera o nosso ritmo circadiano, reduz os nossos níveis de melatonina (a hormona que regula o ciclo sono-vigília) e aumenta a serotonina (que afeta o sono, a atividade sexual, o apetite, as funções cognitivas, etc.). E, sendo nós criaturas diurnas, o descanso noturno é essencial para a nossa saúde.

 

Este problema é específico das ilhas?

Não. Na verdade, 33% da população mundial já não consegue ver a Via Láctea a partir das suas casas. E em lugares como os Estados Unidos, essa percentagem chega a 80%. Em regiões como a Macaronésia, a situação não é tão crítica, mas a ameaça continua. Grandes cidades como o Funchal ou Las Palmas desperdiçam grandes quantidades de luz, o que afeta as áreas protegidas que as circundam. Por isso, é tão importante que as administrações públicas estejam cientes do problema e se empenhem em tornar a iluminação das cidades mais eficiente e amiga do ambiente.

 

 

O que são laboratórios de poluição luminosa? Para que servem?

Chamamos laboratórios de poluição luminosa às redes de fotómetros do projeto EELabs, que estamos a instalar nas diferentes ilhas da Macaronésia. Fotómetros são pequenos dispositivos independentes de 10 cm x 10 cm, em forma de caixa, que medem a escuridão à noite. Para avaliar como se espalha a luz noturna artificial emitida pelos grandes centros urbanos das ilhas e quanta dessa luz atinge as áreas naturais protegidas, sob a forma de poluição luminosa, os fotómetros são colocados em áreas de muito difícil acesso, separados cerca de 2 km uns dos outros, formando uma rede ou malha. Graças à sua extrema sensibilidade, será possível saber se esses locais protegidos são afetados pela luz noturna artificial, em que medida estão contaminados e quais as fontes que mais os impactam.

 

 

O que é que as pessoas podem fazer para ajudar?

Reconhecer o problema já é um grande passo, mas, a nível individual, para que a iluminação exterior das nossas casas não tenha consequências nocivas para o ambiente e para as pessoas, é necessário ter em conta uma série de requisitos. Em primeiro lugar, toda a luz deve ter um propósito claro e ser direcionada apenas para onde é necessária. Dessa forma, nenhum recurso será desperdiçado enviando luz para a atmosfera.

 

Da mesma forma, também é recomendado que a luz não seja mais brilhante do que o necessário. A iluminação só deve ser usada quando necessário e útil. E, quando possível, recomenda-se o uso de luzes de cores mais quentes.

 

Mas, acima de tudo, é importante envolver as administrações nesta tarefa de proteger os ecossistemas naturais que nos rodeiam.

 

 

 

Este artigo foi publicado na revista Pardela nº63 (Outono/Inverno 2021/22)

 

Saiba mais sobre o projeto

EELabs: Energy Efficiency Laboratories – Uso sustentável da Luz Artificial

 

Sobre Miquel Serra

Astrónomo do Instituto de Astrofísica das Canárias e coordenador do projeto EELabs.