Quando se fala em Cascais, é quase impossível não pensar logo em praia e mar, rolas-do-mar e corvos-marinhos… Mas o concelho tem muito mais para oferecer: além de vários espaços verdes, faz também parte do Parque Natural Sintra-Cascais, no qual está integrada a Quinta do Pisão, de visita obrigatória, em qualquer altura do ano.
A Quinta do Pisão, situada na vertente sul da serra de Sintra, no território cascalense do Parque Natural Sintra-Cascais, ocupa uma área aproximada de 380 ha.
Este parque de natureza, aberto ao público desde 2010, é gerido pela Câmara Municipal de Cascais que, além da dinamização de um diversificado programa de atividades, onde já se incluíram passeios para observação de aves em parceria com a SPEA, possibilita também a visitação livre do espaço, durante o seu horário de funcionamento.
A exploração do terreno, só possível a pé ou de bicicleta (ou a cavalo, cujos passeios é possível reservar), é muito acessível. Deixada a viatura no parque de estacionamento da entrada, localizada a sul da Barragem da Mula na EN9-1 (também conhecida por estrada da Lagoa Azul – Malveira da Serra), a rede de trilhos e caminhos existentes oferece diversas possibilidades para um bom passeio em família, em qualquer altura do ano.
Paisagem com história
A ocupação humana deste território é antiga, havendo vestígios arqueológicos que remontam ao Calcolítico e à Idade do Bronze. Depois, durante a Idade Média, estabeleceu-se no local o denominado Casal de Porto Covo. Mais recentemente, durante o século XIX a quinta era utilizada para o fabrico de cal durante os meses mais quentes do ano. A partir dos anos 1930 foi aqui instalada uma colónia agrícola gerida pela Santa Casa da Misericórdia de Cascais. A receção e centro de interpretação deve o seu nome à história da quinta – Casa da Cal. Além da interessante exposição sobre os valores naturais e histórico-culturais da quinta, o edifício contempla ainda um espaço de loja, outro para atividades de pequenos grupos e uma cafetaria. No exterior, há ainda um espaço com mesas de piquenique e outro, cujos ocupantes fazem a delícia de miúdos e graúdos: o picadeiro dos burros (lanudos, da raça mirandesa) e dos cavalos.

Toda esta história moldou uma paisagem surpreendente para quem, quando ouviu (ou leu) o nome Cascais, inicialmente só pensou em mar. No espaço da quinta é possível encontrar terrenos abertos com vegetação rasteira de sequeiro, manchas florestais dominadas por pinheiros-bravos e árvores exóticas, matagais com características mediterrânicas, pequenas hortas (onde é possível realizar atividades como a colheita dos próprios alimentos biológicos) e dois açudes com alguma vegetação ripícola. Este mosaico de habitats permite a existência de uma avifauna interessante e diversificada, tendo sido já registadas pelo menos 133 espécies de aves, segundo os dados da plataforma PortugalAves/eBird, consultados em abril.
Pelos caminhos do Pisão
A partir do parque de estacionamento, podemos enveredar pelo caminho que segue para a esquerda (oposto à receção), em direção ao ponto central do Refilão. O percurso atravessa, inicialmente, uma mancha florestal junto a uma linha de água, onde se podem encontrar algumas espécies de chapins (chapim-carvoeiro, Periparus ater; chapim-azul, Cyanistes caeruleus; chapim-real, Parus major), a estrelinha-real (Regulus ignicapilla), o tentilhão-comum (Fringilla coelebs) ou picapaus como o peto-real (Picus viridis) e o pica-pau-malhado (Dendrocopus major). Chegados ao Pasto da Alta do Refilão, zona de pastagens com pinheiros dispersos, vale a pena estar atentos ao pombo-torcaz (Columba palumbus), à cotovia-dos-bosques (Lullula arborea), ao verdilhão (Chloris chloris), pintassilgo (Carduelis carduelis) e milheirinha (Serinus serinus), e a vários tordos, como o tordo-pinto (Turdus philomelos), o tordo-ruivo (Turdus iliacus) e o tordo-zornal (Turdus pilaris). Junto ao estábulo do Refilão abre-se uma vasta área desarborizada (o Pasto dos Fornicos), habitualmente frequentada por espécies como a perdiz-comum (Alectoris rufa), a poupa (Upupa epops), a laverca (Alauda arvensis), o chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe), o pintarroxo (Carduelis cannabina) e o trigueirão (Emberiza calandra).
Este é também o terreno de caça de algumas aves de rapina, como a águia-d’asa-redonda (Buteo buteo) ou o peneireiro (Falco tinnunculus).
Do Refilão, seguimos pelo Caminho da Volta da Lagoa até a um pequeno açude situado a sul da Quinta (a lagoa Pequena), um bom local para encontrarmos algumas espécies aquáticas como o mergulhão-pequeno (Tachybaptus ruficollis) e a galinha-d’água (Gallinula chloropus). Durante a migração pós-nupcial do final do verão/outono as zonas envolventes tornam-se bastante favoráveis para observar passeriformes como o papa-amoras (Sylvia communis), o rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus), o papa-moscas (Ficedula hypoleuca) o taralhão-cinzento (Muscicapa striata) e a felosa-musical (Phylloscopus trochilus).
Antes de voltarmos ao Caminho do Refilão, que nos permitirá fazer um percurso circular, vale a pena fazer um pequeno desvio pelo Caminho do Olival. Este atravessa uma mancha de vegetação mediterrânica utilizada por diversos passeriformes, passando depois junto a outro açude (a lagoa Grande), ideal para as aves aquáticas. O percurso prossegue pelo Vale das Hortas, passando pela receção, antes da chegada ao ponto de partida.
O percurso, sendo circular, pode começar-se no sentido inverso, mas seja qual for a opção escolhida, convém estar sempre atento ao céu, pois por vezes são avistadas aves de rapina em voo como o gavião (Accipiter nisus) ou o açor (Accipiter gentilis). Além disso o andorinhão-pálido (Apus pallidus), o andorinhão-preto (Apus apus), a andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum), a andorinha-dáurica (Cecropis daurica), a andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica) e a andorinha-das-rochas (Ptynoprogne rupestris) sobrevoam regularmente o local, procurando os insetos de que se alimentam.
Além das aves, do diversificado elenco faunístico da Quinta do Pisão há ainda a destacar a geneta (Genetta genetta), a raposa (Vulpes vulpes), a lagartixa-do-mato (Psammodromus algirus) e a salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra). Este parque, onde a história, a agricultura e a arte (incluindo a exposição anual de Land Art) têm andado de mãos dadas com a conservação da natureza e as atividades de educação e voluntariado ambiental, é, sem dúvida, uma boa surpresa. Esperamos ter aguçado a sua curiosidade para uma visita a este Cascais diferente, com campo e serra à vista…
Este artigo foi publicado na revista Pardela nº 62 (Primavera/Verão 2021)