Num artigo publicado hoje na prestigiada revista Science, os nossos sócios José Alves, Investigador no Departamento de Biologia e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, e Maria Dias, Coordenadora Científica do programa marinho da BirdLife International, revelam a contradição entre a intenção da Comissão Europeia em alterar as economias europeias para modelos mais sustentáveis, encapsulada no Pacto Ecológico Europeu, e a autorização ambiental emitida por um estado membro (Portugal) para a construção do aeroporto do Montijo numa das mais importantes zonas húmidas da Europa. O artigo surge na mesma semana em que há notícia de que o desprezo do governo português pelas diretrizes europeias levantou questões por parte do secretariado da Convenção de Berna, que terá já pedido explicações às autoridades portuguesas.
Para travar esta afronta às leis nacionais e europeias, a SPEA, juntamente com outras sete organizações de defesa do ambiente, levou já o caso a tribunal, num processo que se encontra em curso.
Os autores do artigo publicado hoje na Science argumentam que a decisão do estado português viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu: combater a mudança climática global e reverter a crise da biodiversidade. Apesar do aumento substancial nas emissões de carbono que um segundo aeroporto na área da capital irá gerar, Lisboa é atualmente a Capital Verde Europeia. Ironicamente, a candidatura de Lisboa a este galardão beneficiou da proximidade com a reserva do estuário do Tejo, apesar do traçado agora proposto para as rotas dos aviões implicar voos a menos de 200 metros de altitude dentro da área protegida, perturbando de forma muito significativa várias das áreas mais importantes para as aves aquáticas e para as quais a reserva do estuário do Tejo foi estabelecida.
A importância do estuário do Tejo para a biodiversidade estende-se muito para além das fronteiras Portuguesas: o estuário está designado como Reserva Natural na lei portuguesa, Zona de Protecção Especial pela Directiva Aves da União Europeia, Zona Húmida de Importância Internacional pela Convenção de Ramsar e Área Importante para as Aves pela Birdlife Internacional. Estas aves movem-se no estuário do Tejo em bandos que podem ser formados por ter dezenas de milhares de indivíduos, tirando partido do complexo mosaico de habitats estuarinos esculpidos ao longo de milénios, tais como sapais e bancos de vasa e mais recentemente, pela intervenção humana, salinas e arrozais. Por exemplo, bandos de até 80 mil maçaricos-de-bico-direito que se reproduzem na Islândia e Holanda concentram-se no estuário do Tejo todos os anos para se alimentarem e repousarem, no decurso da sua migração anual. Várias outras espécies que se reproduzem no árctico e no norte da Europa, muitas das quais se encontram em declínio acentuado, dependem também do estuário do Tejo. Esta zona húmida alberga também populações muito importantes de outras aves aquáticas, nomeadamente flamingos, colhereiros e garças-reais.
Apesar do impacto do Covid19 no tráfego aéreo, a empresa privada que promove e financia o aeroporto do Montijo anunciou que permanece firme no seu compromisso de avançar com o projeto e o governo Português anunciou publicamente o seu apoio ao mesmo em junho e julho, quando as consequências da pandemia na indústria da aviação já eram claras. Este é um exemplo evidente de uma tentativa de um estado membro em desconsiderar diretrizes de conservação, acordos internacionais de proteção de espécies e habitats e os anúncios, que o próprio governo faz, na promoção de um futuro mais sustentável e com redução das emissões de carbono. Dada a importância do estuário do Tejo ao albergar espécies de toda a rota migratória, incluindo aquelas que beneficiam de programas de conservação financiados publicamente noutros locais da sua área de distribuição, outros países irão muito provavelmente considerar Portugal como responsável pelas consequências negativas deste desenvolvimento no estuário do Tejo.
Os autores do artigo apelam ao Governo Português que reconsidere a decisão de autorizar a construção do aeroporto do Montijo e aproveite a oportunidade de Lisboa ser a actual Capital Verde Europeia para demonstrar uma verdadeira liderança ao nível internacional no movimento global para um futuro sustentável, fazendo de Portugal um caso de sucesso na implementação do Pacto Ecológico Europeu.
Mais informação
Artigo na Science: Alves, JA & Dias, MP 2020. Portugal’s airport plans threaten wetlands. Science, 369: 1140. DOI: 10.1126/science.abe4325
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