Redescubra o local que se tornou num dos pontos de referência para a observação de aves em Portugal, através dos olhos de alguns dos seus amantes.
“Em apenas dez anos, a Lagoa Pequena, em Sesimbra, entrou para o roteiro dos observadores de aves.”
Uma visita que desperta sentidos
Em apenas dez anos, a Lagoa Pequena, ligada à conhecida Lagoa de Albufeira (ou Lagoa Grande), em Sesimbra, entrou para o roteiro dos observadores de aves. Uns vêm para observar, outros para fotografar ou desenhar e muitas famílias para passear. Nos primeiros tempos, as visitas não ultrapassavam a média anual das duas mil. Em 2020, mesmo estando três meses encerrado devido à pandemia, o Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena (EILP) recebeu mais de 5 mil visitantes. O desconfinamento levou ao aumento da procura, com uma visível valorização das atividades ao ar livre.
O sucesso destes 10 anos prende-se com a beleza natural do local, que integra duplamente a Rede Natura 2000 da Europa (é Zona de Proteção Especial para Aves e Sítio Classificado, ao abrigo das Diretivas Aves e Habitats, respetivamente), mas também com a dinamização feita pela SPEA, baseada num protocolo firmado com a autarquia local em 2016.
«Temos um leque de atividades que não se esgota na observação e monitorização da fauna e da flora», explica Domingos Leitão, Diretor Executivo da SPEA. A educação ambiental é uma das áreas de excelência. «A curiosidade funciona extraordinariamente com a população escolar. Os miúdos vivem vidas enfiados em caixinhas, computadores, smartphones, Internet, mas um dia passado na Lagoa desperta a curiosidade e os sentidos», destaca o responsável. «É muito importante o trabalho que fazemos com as escolas aqui, porque lança a semente para que, no futuro, como adultos, estas crianças se preocupem com a natureza, com a proteção das espécies e dos ecossistemas. Se não tivermos noção de que vivemos inseridos num meio que tem de funcionar, com funções que dependem das várias espécies, vamos ser adultos incompletos», conclui.
No EILP, os alunos testemunham ao vivo como funcionam os ecossistemas, recolhem insetos e observam aves, aprendem o que é a anilhagem, constroem ninhos e comedouros. «Uma coisa é aprender no manual, outra completamente diferente é ver in situ. Não há manual escolar ou vídeo que consiga ultrapassar o efeito que isto tem nas crianças», reforça Domingos Leitão. O responsável da SPEA, que é também um ornitólogo e promotor de turismo de natureza experiente, garante que uma manhã na Lagoa Pequena permite ver aves que não se encontram noutros locais. Com a vantagem de haver sempre novidades ao longo do ano, pois os protagonistas vão-se renovando, de acordo com o calendário de migrações. «Se viermos na primavera, encontramos a garça-vermelha, o garçote, os rouxinóis-dos-caniços, espécies migradoras que só cá estão na primavera e verão e nidificam nas zonas com caniço. É um atrativo especial. No inverno temos um leque diferente. As espécies estivais já migraram para África, mas recebemos os que chegam do Norte da Europa em dezembro e janeiro quando o frio, a neve e gelo as empurram para sul e temos aqui mais patos, como o colhereiro, a marrequinha ou o zarro», detalha, em modo de convite para uma visita.
«É também um dos sítios onde se observam aves de rapina difíceis de ver noutros locais, como o açor, o gavião, a ógea (espécie de falcão que cria nos ninhos das gralhas e vem aqui caçar pássaros pequenos ou libélulas), a águia-sapeira ou águia-pesqueira», acrescenta.

Voluntária pela natureza
Quem visita a Lagoa Pequena numa sexta-feira à tarde vai cruzar-se com Regina Urban, uma simpática professora reformada que veio da Alemanha para Portugal há cerca de 40 anos e, nos últimos cinco, tem dedicado umas horas por semana ao voluntariado.
Docente de alemão no Goethe-Institut, decidiu investir parte do seu tempo numa área diferente da sua atividade profissional e escolheu a Lagoa Pequena pela «beleza do espaço». Envergando o seu colete com o mote “Cidadania pela Natureza”, Regina assegura várias tarefas, desde recolher o lixo a receber as pessoas, acompanhar as escolas ou até «pintar alguma da sinalética», elenca com orgulho. Diz ter aprendido muito com esta experiência, principalmente sobre as aves que gosta de observar, mas também de escutar, com os conhecimentos que adquiriu no workshop «À Descoberta do Fantástico Mundo do Canto das Aves», promovido pela SPEA.
Munida do seu guia de aves, escrito em alemão, já consegue identificar algumas espécies que sobrevoam e habitam a Lagoa Pequena, como as aves de rapina, as suas preferidas, ou o camão, «que já tive a sorte de observar, e é um espetáculo, com as suas cores vibrantes e a forma diferente de andar».
Regina Urban inscreveu-se na Bolsa Local de Voluntariado, mas não é a única a participar ativamente na manutenção e preservação da Lagoa Pequena. Ao longo de uma década têm sido centenas as pessoas que participam em ações de voluntariado. Contribuem para a manutenção do espaço, contagem de aves, remoção de flora infestante, participam no Dia do Biscateiro (que como o nome indica, permite assegurar pequenas reparações), integram ações de teambuilding para empresas ou vêm em família construir caixas-ninho que são colocadas em árvores no local.
Ao fim de um dia de voluntariado na Lagoa Pequena, todos partilham um sentimento: terem contribuído para a conservação da natureza e para cuidar deste espaço, tornando o EILP um pouco seu.

O sempre vigilante
Quem tem na memória os principais momentos da história deste local, e de todos os passos para a sua transformação, é José Conceição. A sua vida confunde-se com a história da Lagoa Pequena, mesmo muito antes da criação do Espaço Interpretativo, há dez anos. Com 26 anos integrou, como guarda-florestal, o agora designado Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Começou a trabalhar na Lagoa Pequena e nunca mais saiu. «Aqui na Lagoa de Albufeira casei, aqui vivi durante anos, ali ao fundo, junto daqueles salgueirais e na Lagoa Pequena passo sempre os meus aniversários, a 4 de maio, dia de Sesimbra», diz com um sorriso proporcionado pelas boas recordações destes últimos 30 anos.
Houve tempos em que o caminho que se faz entre a Lagoa Pequena e a Lagoa da Estacada, a terceira lagoa do conjunto, estava completamente alagado e em que parte da Estacada, onde atualmente nidificam muitas espécies protegidas, era zona de pastagem para gado. «Isto estava tudo cheio de água, da Lagoa Grande até à Ribeira da Apostiça. Já nessa altura havia aqui muitos
galeirões».
Já haviam observatórios improvisados para vigilância e monitorização da fauna, mas o primeiro “observatório para visitas” foi o da torre, na margem norte da Lagoa Pequena, que não era mais do que o aproveitamento de um farol de madeira com cerca de seis metros, construído para o stand do então Instituto da Conservação da Natureza na Expo 98.
«Tudo o que aqui está fui praticamente eu que fiz», recorda com o orgulho de quem encontrou um sítio cheio de caniços e silvados que o cobriam por completo e que foi abrindo até se tornarem nos percursos que hoje encaminham os visitantes, tranquilamente, até aos observatórios de madeira. É o caso do passadiço que dá acesso ao Observatório da Lontra, em frente à Lagoa da Estacada. Ia andando, guiado pelo vale junto da Ribeira da Ferraria, sem plano desenhado, mas com meta definida. Ia avançando, e quando olhava para trás não via nada», recorda. O resultado é o passadiço serpenteante que permite apreciar o percurso e escutar as aves até chegar ao destino, com a calma que o local inspira.
Melhorou as condições para os visitantes, mas principalmente para os seus habitantes, com manutenção permanente. Um trabalho feito com todo o empenho de quem tem paixão genuína pela natureza. Quando lhe perguntam do que mais gosta na Lagoa Pequena, só tem uma resposta: «Tudo! Tenho casa, mas é só para dormir, porque é na Lagoa Pequena que me sinto bem, mesmo em dias de folga venho para cá».

O naturalista
Mais novo, mas nem por isso menos apaixonado por este local, Vasco Fonseca é um verdadeiro naturalista em crescimento, uma espécie de pequeno David Attenborough. De máquina fotográfica ao pescoço, com uma lente que serve também de binóculo para ver as aves que sobrevoam a Lagoa Pequena, tem a visão e a audição bem treinadas para detetar aves, pequenos insetos ou até cogumelos que encontra num caminho que já percorreu inúmeras vezes.
Tem apenas mais um ano do que o Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena. Juntamente com a sua família, pais e o irmão de cinco anos, é carinhosamente tratado como «espécie endémica» da Lagoa. Foi aqui que festejou os 11 anos, com mais duas dezenas de amigos e amigas, a quem tenta passar a paixão pela natureza. Uma festa de anos na qual a observação de aves foi a “brincadeira” favorita. O desafio foi identificar espécies e, rapidamente, Vasco teve que passar ao nível de dificuldade seguinte.
No dia em que visitámos o EILP confessou que gostaria muito de ver um guarda-rios, que apesar de ser uma espécie residente é tão pequeno e rápido nos seus voos rasantes que lhe tem escapado. Já no verão, o desejo é ver o quase exótico abelharuco.
A família é presença assídua nas atividades organizadas na Lagoa Pequena, seja para sessões sobre libélulas, workshops sobre o canto das aves, de borboletas ou observações noturnas. «Venho sempre uns minutos antes das atividades começarem, dou uma corrida até ao Observatório do Galeirão, que fica mais perto da receção, e ainda consigo ver algumas aves».
Já avistou bandos de estorninhos, patos-colhereiros, camões, marrequinhas, galinhas-d’água, patos-reais, garças-vermelhas «quase em extinção», alerta, enquanto vai elencando espécies, entre nomes científicos que vai traduzindo para nomes comuns.
O seu sonho é vir a ser biólogo, e já é sócio da SPEA. No último Natal pediu aos pais um guia de anfíbios, que apenas existia na versão inglesa, o que para o interessado Vasco não constituiu qualquer problema. Muitas vezes prepara apresentações com as suas fotografias e pesquisas para levar para a sala de aula e mostrar aos colegas do 6.º ano. No futuro, gostava muito de ir à Papua Nova Guiné, a maior ilha tropical do mundo, para ver a ave-do-paraíso ao vivo, no seu habitat.
Por cá, quando estava a chegar ao fim desta visita guiada que nos fez à Lagoa Pequena, teve uma das suas grandes alegrias. Foi presenteado com o “raio azul” desenhado no ar pelo rápido guarda rios, no canal que liga a Lagoa Pequena à Lagoa da Estacada. Mais um momento de grande felicidade para este amante da natureza, que reagiu como qualquer criança da sua idade, aos pulos e com um sorriso de orelha a orelha, a festejar abraçado à mãe e ao irmão Diogo.

Excerto da reportagem Espaço Interpretativo, 10 Anos Lagoa Pequena, A Estância de Férias para Aves, publicada na Revista Sesimbra, N.º1, Edição da Câmara Municipal de Sesimbra, abril 2022.
Faça também uma visita
O gosto pela natureza é comum a estes 4 amantes da Lagoa Pequena. Este espaço conquistou os seus corações através da diversidade de espécies existentes e atualmente ocupa parte das suas vidas tornando-se um pouco de cada um.
Habilite-se a ganhar uma visita guiada para toda a família com um dos nossos guias ao tornar-se sócio familiar até ao dia 25 de abril.
Revista Pardela e Lagoa Pequena