Dos picos nevados aos campos de lava, o arquipélago das Canárias alberga aves únicas.
O arquipélago das Canárias é bem conhecido dos ornitólogos, pela panóplia de espécies que só aqui podem ser vistas: existem seis espécies de aves que são endémicas das Canárias, e mais três endémicas da Macaronésia, ocorrendo também na Madeira e/ou nos Açores. Uma visita a estas ilhas afortunadas é sempre uma garantia de excelentes observações para os amantes da natureza.
Dominada por espetaculares picos (alguns com neve), a paisagem destas ilhas vulcânicas inclui caldeiras, campos de lava, desfiladeiros e costas escarpadas. Dependendo da ilha, esses habitats vulcânicos são complementados por extensas dunas e desertos pedregosos, ou por grandes manchas de Floresta Laurissilva e pinhais de altitude. Assim, a constelação de habitats em cada ilha é propícia a um conjunto diferente de espécies.
Tenerife
Esta é a maior ilha do arquipélago e a que possui o pico mais alto, El Teide. Trata-se de um vulcão com 3700 m de altitude, rodeado por uma caldeira com mais de 10 km de diâmetro, que constituem o Parque Nacional de las Cañadas del Teide. Dentro da caldeira, a vegetação é escassa e rasteira, adaptada aos rigores da altitude. Não há muitas espécies de aves aqui, mas as espécies que existem são interessantes. A mais de 2000 m de altitude podemos encontrar o corre-caminhos (Anthus berthelotii) e o canário-da-terra (Serinus canaria), ambos endemismos macaronésicos, e ainda a perdiz-mourisca (Alectoris barbara) e a toutinegra-tomilheira (Sylvia conspicillata). Em redor da caldeira do Teide, entre os 1000 e os 2000 m de altitude, existe uma coroa florestal de pinheiro-canário (Pinus canariensis), que acolhe uma joia que não existe em mais nenhum local do mundo: o tentilhão-azul-de-tenerife (Fringilla teydea). Para além deste tentilhão, esta coroa florestal alberga a felosinha-canária (Phylloscopus canariensis) e várias subespécies endémicas, como o fura-bardos (Accipiter nisus granti), o picapau-das-canárias (Dendrocopos major canariensis), a estrelinha-canária (Regulus regulus canariensis) e o chapim-africano-das-canárias (Cyanistes teneriffae teneriffae). Mais junto à costa, nos desfiladeiros dos rios e na península de Anaga, subsistem ainda manchas de Laurissilva com populações saudáveis dos dois pombos endémicos das canárias: o pombo-turquesa (Columba bollii) e o pombo-rabil (Columba junoniae). Nas imponentes escarpas de Los Gigantes criam ainda águias-pesqueiras (Pandion haliaetus).

La Gomera
Esta pequena ilha fica a oeste de Tenerife, a uma hora de ferry – uma viagem que vale bem a pena não só pelo que se pode ver em terra, mas também pelo que se vê no mar, durante a travessia. A cagarra (Calonectris borealis) é muito comum, sendo possível ver também o fura-bucho-do-atlântico ou patagarro (Puffinus puffinus), o pintainho (Puffinus lherminieri) e a alma-negra (Bulweria bulwerii). Já em La Gomera encontra-se a maior mancha contínua de Laurissilva das Canárias e uma das maiores de toda a Macaronésia. No Parque Nacional de Garajonay são muito abundantes as duas espécies de pombos, a estrelinha-canária e o tentilhão-canário (Fringilla coelebs canariensis). Nos desfiladeiros de La Gomera é comum observar-se a manta (Buteo buteo insularum), o falcão-tagarote (Falco peregrinus pelegrinoides) e o andorinhão-da-serra (Apus unicolor), este último uma espécie endémica da Macaronésia.
Fuerteventura
Ao contrário das outras ilhas canárias, Fuerteventura é plana e muito árida. É um pedaço do Sahara no meio do mar, com desertos pedregosos, dunas e desfiladeiros rochosos. Nos desertos de Tindaya, a norte, ou nas dunas de La Jandia, a sul, existe uma rica comunidade de aves estepárias, algumas raras e difíceis de ver noutros locais. Da lista do visitante podem fazer parte o pato-casarca (Tadorna ferruginea), a hubara (Chlamydotis undulata), a corredeira (Cursorios cursor), o alcaravão (Burhinus oedicnemus), o cortiçol-de-barriga-preta (Pterocles orientalis), a calhandrinha-das-marismas (Alaudala rufescens), o corre-caminhos, a toutinegra-tomilheira e o pardal-espanhol (Passer hispaniolensis). Nos desfiladeiros como o Barranco de Los Molinos ou a Vega del Rio Palmas podemos encontrar a caldeireta (Saxicola dacotiae), um pequeno cartaxo endémico das canárias. Para além da caldeireta, estes sítios albergam outras espécies interessantes, como o britango (Neophron percnopterus), a perdiz-mourisca, a rola-dos-palmares (Streptopelia senegalensis) e o trombeteiro (Bucanetes githagineus).

Outras ilhas
Noutras ilhas do arquipélago existem também aves interessantes. Na Gran Canária existe outro endemismo, o tentilhão-azul-da-gran-canária (Fringilla polatzeki), enquanto em Lanzarote se podem observar boas populações de hubara e outras aves estepárias e em La Palma existe a única população de gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) do arquipélago.
Basta uma semana
Apesar da multiplicidade de ilhas e de espécies, a verdade é que até uma visita curta ao arquipélago das Canárias vale a pena. Numa semana é possível fazer um circuito por Tenerife, La Gomera e Fuerteventura, e observar 50 espécies de aves, muitas das quais não existem em Portugal.
Este artigo foi publicado na revista Pardela nº59 (Outono/Inverno 2019)