Novos estudos mostram como as aves melhoram o nosso bem-estar, juntando-se a um conjunto cada vez maior de evidências de que as aves são um antídoto à nossa melancolia, como descreveu a autora Julia Zarankin na Audubon Magazine.

 

Quando estava no meio de uma penosa mudança de carreira, e a experimentar novos passatempos, assumi que a minha curiosidade sobre aves seria um namorico passageiro. Mas depois vi a graúna-d’asa-vermelha (a ave americana, “Red-winged Blackbird”, Agelaius phoeniceus). As fogosas manchas escarlates nos ombros desta ave, contrastando com o seu brilhante “fato” negro, apanharam-me de surpresa.

 

Não estava à espera de um “fato” tão elegante. Afinal, o meu conhecimento do mundo das aves tinha estado limitado a pombos. Mas ao observar esta ave a equilibrar-se sobre uma tabúa (planta típica dos pauis), absolutamente magistral na sua indumentária, não pude deixar de ficar maravilhada.

 

Não sei bem o que me chocou mais: descobrir que estas aves são um dos mais comuns sinais da primavera aqui no Canadá, e não as migradoras raras que eu inicialmente tinha pensado, ou que provavelmente já tinha passado por elas centenas de vezes, sem nunca ter parado para olhar e absorver o seu esplendor.

 

Estas aves fizeram-me questionar seriamente sobre que mais teria eu andado a perder… Esse momento, há 12 anos, é o culpado de tudo o que aconteceu a seguir, incluindo ter-me envolvido num caso de amor de meia-idade com as aves, cujo resultado foi o meu livro Field Notes from an Unintentional Birder (“Notas de campo de uma observadora de aves acidental”), publicado em outubro de 2020.

 

Agora, acredito mais do que nunca que a observação de aves é o antídoto para o desespero. Este sentimento tem tido eco em muitas pessoas nestes tempos incertos de pandemia. Tem havido uma explosão de interesse na observação de aves enquanto atividade ideal que pode ser praticada perto de casa e mantendo um distanciamento social seguro.

 

Durante as ondas iniciais da pandemia na primavera de 2020, por exemplo, o uso da app eBird do Laboratório de Ornitologia de Cornell [na qual está integrado o PortugalAves/eBird] atingiu novos recordes. As vendas de sementes para aves, caixas-ninho e outros materiais para observação de aves dispararam também em 2020, à medida que mais pessoas passaram algum tempo a olhar para o céu.

 

Aves e bem-estar

Há cada vez mais evidências científicas de que a felicidade trazida pelas aves não acontece só em casos isolados. Cada vez mais, a investigação liga a exposição à natureza, e às aves em particular, com um aumento do bem-estar. Em dezembro, um novo estudo do Centro Alemão para a Investigação Integrativa em Biodiversidade (iDiv) associou uma maior biodiversidade de aves a uma maior satisfação com a vida para mais de 26 000 pessoas, em 26 países europeus. As pessoas que vivem perto de áreas naturais com maior diversidade de espécies de aves eram comprovadamente mais felizes. Aliás, o estudo revelou que ver 10 por cento mais espécies de aves gera uma satisfação equivalente a um aumento de salário comparável.

 

 

mulher de meia-idade sorridente a segurar nos binóculos que tem ao pescoço. O fundo desfocado parece um bosque no verão rawpixel.com/freepik

A variedade de aves que se vê não é o único aspeto que afeta o nosso humor: ouvi-las também. Segundo outro estudo recente de investigadores da California Polytechnic State University (Cal Poly), caminhantes que ouviram o canto de aves ao percorrer um trilho têm uma experiência mais positiva e sentem maior alegria. Os observadores de aves sabem isto intuitivamente: o canto das aves eleva-nos o espírito, em grande parte porque restaura a nossa fé na ordem natural do mundo e na saúde dos ecossistemas. É precisamente por isso que o capítulo de abertura de Rachel Carson em Silent Spring (Primavera Silenciosa, na sua edição em Português), em que ela antevê o perigo de um mundo sem o canto das aves, é um alarme tão sonante:

“Pelas manhãs, que outrora haviam vibrado em consequência do coro matinal de piscos, tordos, rolas, gaios, carriças, e de vintenas de outras aves canoras, não havia, agora, som algum; somente o silêncio pairava por cima dos campos, bosques e pântanos.”

 

Não há outra forma de o dizer: as aves realmente fazem-nos felizes. Obrigam-nos a parar e prestar atenção, a reparar mais intensamente nos detalhes. Quando observamos aves, vivemos a felicidade de estar inteiramente imersos no momento presente, muito na linha do que advogam as práticas de mindfulness. E como as aves não querem saber dos nossos pequenos problemas, servem como lembretes poderosos de que fazemos parte de algo maior do que o mundo dentro das nossas próprias cabeças. Quando vejo a espetacular dança nupcial aérea da galinhola-americana (“American Woodcock”, Scolopax minor), em que esta rezingona ave castanho-acinzentada se atira ao éter emitindo chamamentos anasalados, descreve uma série de círculos colossais no ar e desce para elação da fêmea, olho o mundo com mais fascínio.

 

No início, quando me tornei observadora de aves, admito que, para grande vergonha minha, temi que a migração primaveril se tornasse enfadonha quando tivesse visto todas as felosas. Agora, apenas abano a cabeça a essa pessoa que fui outrora. Quando muito, a minha alegria na primavera tornou-se mais intensa, com o meu calendário interno recalibrado para aguardar ansiosamente o mês de maio. Sei que nunca me fartarei das aves: elas surpreendem-me regularmente com os seus comportamentos engenhosos, as suas capacidades de adaptação imaginativas, a sua resiliência e a sua determinação colossal. Observar as aves de perto, seja no nosso alimentador ou no campo, é uma experiência multi-sensorial brutal, que traz felicidade (a par dos embaraçosos, mas inevitáveis, erros de identificação) e momentos extasiantes de descoberta. Haverá coisa mais gratificante?

 

Este artigo foi publicado na revista Pardela nº 62 (Primavera/Verão 2021)

O original foi publicado na Audubon Magazine