Para marcar o Dia Mundial do Ambiente, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) faz o balanço de duas décadas de restauro ecológico, com três histórias de regressos que provam que, com tempo e cuidado, a Natureza pode recuperar. A SPEA dedicou os últimos 20 anos nos Açores ao restauro da floresta Laurissilva e de outros habitats prioritários, pela sua importância não só para as aves, mas também para a população local. Num ano em que o restauro da natureza está na agenda política com a implementação da Lei de Restauro de Natureza da União Europeia, casos como o dos Açores são um exemplo a seguir.
“Os ritmos da natureza são lentos, pausados, e o restauro tem de respeitar esse ritmo. Não é de um dia para outro que séculos de degradação de habitats se revertem, mas é possível reconduzir o processo e dar uma oportunidade à natureza para regressar”, diz Rui Botelho, coordenador da SPEA Açores, acrescentando: “Após 20 anos de trabalho no restauro de habitats, temos provas de que o restauro da natureza funciona, vale a pena e pode até contribuir para o desenvolvimento local.”
1. O regresso das turfeiras
Parte do trabalho de restauro ecológico nesta região envolve a remoção de plantas invasoras como o gigante (Gunnera tinctoria), uma espécie trazida pelo ser humano e que se espalha facilmente, ameaçando os ecossistemas naturais dos Açores. Há 15 anos, os técnicos da SPEA removeram 32 toneladas desta planta no Planalto dos Graminhais, em São Miguel. Este ano, a equipa apenas encontrou 170 kg para retirar — prova do sucesso destes anos de trabalho.
Para além de remover o gigante, na intervenção inicial as equipas da SPEA fecharam as valas de drenagem, e construíram diques e pequenas “piscinas” para reter a água que sustenta todo o ecossistema das turfeiras. Estas medidas permitiram que, com o tempo, o local voltasse ao seu estado natural: o Planalto dos Graminhais voltou a estar coberto por um manto de musgão (Sphagnum sp.) que forma as turfeiras, verdadeiras esponjas naturais que retêm a água das chuvas, prevenindo derrocadas e enxurradas, e a libertam lentamente, evitando situações de seca.
2. A Laurissilva volta a ser floresta
Também as áreas de floresta Laurissilva restauradas há 20 anos estão hoje mais próximas do seu equilíbrio ancestral. Removidas as invasoras que as assoberbavam, as árvores nativas da Laurissilva puderam atingir um porte significativo: a verdadeira floresta Laurissilva está de volta. Este regresso significa mais flores e frutos para alimentar o priolo, ave que não existe em mais nenhum local do mundo. E significa melhor proteção contra cheias e derrocadas, já que a vegetação nativa desempenha um papel importante no ciclo da água.
3. A notável recuperação da Ginja-do-mato
Uma recuperação impressionante é a da ginja-do-mato (Prunus azorica), que no virar do século XXI estava à beira da extinção na área. Atualmente, nos viveiros de plantas nativas da SPEA produzem-se 2000 destas plantas por ano. Plantas essas que são replantadas no seu habitat natural, contribuindo para a recuperação da espécie.
Para além de trazer de volta ecossistemas naturais que aumentam a resiliência das nossas ilhas face aos efeitos das alterações climáticas, os trabalhos de restauro ecológico desenvolvidos pela SPEA têm criado e mantido uma média de 25 postos de trabalho por ano ao longo destas duas décadas. Os projetos de restauro da Natureza permitiram ainda criar infraestruturas de visitação importantes em zonas rurais e menos visitadas, como é o caso do Centro Ambiental do Priolo no Nordeste, que traz turistas de todo o mundo à região.
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