A história do abutre-preto Natator revela como a colaboração transfronteiriça pode ser determinante para a sobrevivência destas aves.
A importância de uma monitorização atenta
A 21 de abril de 2024, na Herdade da Cubeira, no Parque Natural do Tejo Internacional, nasceu um pequeno abutre-preto macho, que recebeu a anilha de código 5S quando tinha 89 dias de vida. No dia da sua anilhagem, a 18 de julho, foi também marcado com um emissor GPS, que permite às equipas do projeto acompanhar todos os seus movimentos e comportamentos. Este acompanhamento permitiu à equipa do projeto LIFE Aegypius Return perceber que, menos de um mês depois da marcação, o jovem abutre começou a fazer os primeiros voos, sempre na região do Tejo Internacional, e pousando muitas vezes nas margens do rio. No vale, mesmo junto à água, nem sempre há rede, pelo que, por vezes, os pontos GPS são recebidos de forma intermitente.

Os movimentos do abutre-preto Natator entre 14/08 e 13/09/2024 mostram frequentes paragens junto às margens do rio Tejo. A seta amarela indica o local de resgate.
Apesar das dificuldades na receção dos pontos GPS, o nosso técnico Paulo Monteiro, responsável pela monitorização da colónia, pressentiu que uma das paragens à beira-rio parecia estar a prolongar-se por demasiado tempo. Os dados do acelerómetro mostravam que a ave estava viva, mas poderia estar em dificuldades. Estando a ave na margem portuguesa do rio, de muito difícil acesso e observação pelo lado português, Paulo contactou os Agentes del Medio Natural da Junta de Extremadura (JEx), que prontamente disponibilizaram uma equipa para observar a cria a partir de Espanha. Juntos no terreno, confirmaram que o abutre estava bem, mas parecia encurralado entre a vegetação densa da margem e a água do rio.
Um abutre nadador e uma operação de resgate internacional
Para evitar uma interferência perturbadora (e eventualmente desnecessária) e verificar se os pais viriam alimentar o jovem abutre, o Paulo regressou no dia seguinte e permaneceu todo o dia em vigilância. Os pais não se aproximaram, o jovem abutre bebia frequentemente água do Tejo e movimentava-se no curto espaço de que dispunha, tentando manter-se à sombra. Inquieto por não encontrar saída, por volta das 14h tentou a sua sorte e ensaiou um voo que terminou poucos metros adiante, no rio. A sua condição física e cansaço e, quiçá, a ausência de relevo ou correntes de ar quente que o ajudassem a levantar voo, não lhe permitiam sair da armadilha em que voluntariamente caíra. Apesar do voo falhado, mostrou boas competências para nadar de regresso para as rochas da margem.
Este comportamento valeu-lhe o nome de Natator (nadador, em latim), e uma operação de resgate internacional. De barco, Agentes del Medio Natural da JEx, vigilantes da natureza do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) e o Paulo, da SPEA, conseguiram resgatar o abutre, que foi entregue no CERAS (Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens), gerido pela Quercus, em Castelo Branco.
Recuperação rumo à liberdade
O jovem Natator entrou no CERAS desnutrido, numa condição geral de debilidade, devido à fome e ao stress. Tinha lesões ligeiras nas patas, provavelmente devido ao longo tempo que esteve sobre as rochas, e uma asa magoada, sem lesão óssea, possivelmente devido à queda na água. Tratar os efeitos da desnutrição, que incluíam alguns sintomas neurológicos, foi um processo bastante prolongado. Mas, felizmente, este corajoso abutre recuperou em pleno. Parecendo adivinhar a data da sua devolução à natureza, nas vésperas passou a treinar os voos com mais afinco, demonstrando que estava pronto.
Durante a sua estadia no CERAS, o Natator pôde contar com bons companheiros, também abutres-pretos, que ajudaram na sua sociabilização e recuperação. Algumas dessas aves, também juvenis de 2024 que recuperaram no CERAS por diversos motivos, seguirão brevemente viagem para o processo de aclimatação ao Douro Internacional. Não tendo território estabelecido ou origem conhecida, serão fundamentais para reforçar a colónia mais frágil do país.
De volta à natureza
A devolução do Natator à natureza ocorreu na semana passada, num evento que contou com a presença de quem o resgatou e tratou (SPEA, JEx, ICNF, CERAS/Quercus), e da VCF, entidade que coordena o projeto LIFE Aegypius Return. Também a família proprietária da Herdade da Cubeira, onde o Natator nasceu, esteve presente.
Gozando novamente de liberdade, o Natator tem-se mantido no Parque Natural do Tejo Internacional, felizmente sem paragens arriscadas à beira da água.
Juntamente com os restantes parceiros LIFE Aegypius Return, agradecemos a todos os técnicos e entidades envolvidos na proteção e conservação do abutre-preto. A cooperação transetorial e internacional tem sido um pilar para a recuperação da espécie em Portugal e no oeste de Espanha.