Os resultados de uma iniciativa de ciência-cidadã lançada pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) revelam que em 82% dos casos em que uma ave embate contra um vidro ou outra superfície transparente ou espelhada, essa colisão é fatal. Os dados recolhidos ao longo de um ano mostram o impacto desta ameaça cada vez mais generalizada em Portugal, e o relatório da SPEA apresenta também soluções que todos podem implementar.
“Este problema tende a agravar-se, pois o uso destas superfícies está em expansão: basta olhar em volta nos espaços urbanos, e vê-se a proliferação de edifícios envidraçados, guarda-corpos transparentes nas esplanadas e varandas, campos de padel, paragens… para as aves, tudo isso são barreiras invisíveis. As aves vêem o que está do outro lado, ou vêem o reflexo da paisagem, e não se apercebem que há ali uma barreira até ser tarde demais”, explica Hany Alonso, técnico da SPEA responsável por coordenar esta iniciativa.
A colisão de aves com superfícies transparentes ou espelhadas é uma das principais causas de mortalidade não-natural de aves em todo o mundo, afetando centenas de milhões de aves anualmente. Em Portugal, embora este problema seja uma realidade observada por muitos, a falta de informação e de estudos aprofundados sobre as espécies afetadas e os principais fatores de risco é ainda uma questão premente. A SPEA tem-se dedicado a aumentar a conscientização sobre este problema e, em setembro de 2023, lançou uma iniciativa de ciência-cidadã para investigar a dimensão da ameaça em território nacional.
Esta iniciativa consistiu na disponibilização de um formulário online, onde os cidadãos são convidados a partilhar observações de colisões de aves ou registar aves mortas que suspeitem ter colidido com superfícies transparentes ou espelhadas. O objetivo deste estudo foi realizar uma caracterização preliminar da ameaça das colisões em Portugal e fornecer dados fundamentais sobre o impacto desta problemática na avifauna nacional.
Com base nas informações recolhidas durante um ano, a SPEA registou 89 incidentes de colisões envolvendo 124 aves de 29 espécies diferentes. A esta informação, os técnicos da SPEA adicionaram dados de outras fontes, resultando na estimativa de que pelo menos 47 espécies de aves já terão sido afetadas por colisões com superfícies transparentes ou espelhadas em Portugal. A taxa de mortalidade estimada é alarmante: cerca de 82% dos indivíduos envolvidos nas colisões não terá sobrevivido. As espécies com o maior número de mortes registadas por cidadãos foram o pardal, o papa-moscas-preto e o melro.
Algumas espécies parecem ser particularmente sensíveis a esta ameaça. No caso do guarda-rios, do gavião e do papa-moscas-preto, a morte por colisão com superfícies transparentes ou espelhadas corresponde a uma percentagem significativa da mortalidade não-natural.
A nível internacional, sabe-se que a colisão com vidros e similares é uma ameaça especialmente grave para as pequenas aves migradoras, que viajam muitas vezes em bandos: surgem nas redes sociais registos de bairros cujos habitantes encontram dezenas de aves no chão ao acordar. Também em Portugal as aves migradoras estão entre as mais afetadas – além do papa-moscas-preto, outras migradoras como as toutinegras e felosas foram também impactadas.
“Uma parte significativa das colisões registadas foram em janelas espelhadas de moradias, pelo que os cidadãos também podem ter um papel importante para mitigar o impacto desta ameaça. Por essa razão, é também importante falarmos deste problema e de possíveis soluções”, diz Hany Alonso.
Boas Práticas e Soluções
Com base nos dados recolhidos e em estudos internacionais, a SPEA está a promover boas práticas e medidas para mitigar o impacto dessas superfícies nas aves.
“Todas as superfícies espelhadas e transparentes de grande dimensão vão ser um problema para as aves. Por isso é importante planear antes da construção”, frisa Hany Alonso.
Assim a SPEA recomenda que, sempre que possível, se considere utilizar outros materiais, e que se evite em especial instalar superfícies transparentes e/ou espelhadas em áreas sensíveis como ribeiras, zonas húmidas, ou parques, jardins e outros locais com vegetação abundante. Nas situações em que forem instaladas superfícies espelhadas ou transparentes, a SPEA apela a que se incluam à partida medidas que reduzam o risco de colisão, como instalar autocolantes ou películas anti-adesão para torná-las mais visíveis para as aves. Estas devem ser instaladas no exterior da superfície, e cobrir toda a área, conforme indica a ficha disponibilizada pela SPEA, que inclui ainda detalhes sobre o tipo de padrão e espaçamento mais eficazes.
“Em edifícios de grande dimensão, recomendamos que se façam testes e se monitorize a eficácia das medidas”, refere Hany Alonso.
A SPEA apela ainda às autoridades locais e às empresas para que adotem estas boas práticas e para que considerem este problema na concepção de estruturas urbanísticas, de modo a proteger a avifauna nacional e preservar a biodiversidade.
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Mais informação
Relatório: Colisões de aves com vidros 2023/24